O assessor especial da Presidência da República e um dos mais respeitados diplomatas brasileiros, o ex-chanceler Celso Amorim, afirmou que Jair Bolsonaro perdeu relevância no cenário internacional, especialmente para o governo de Donald Trump.
A declaração foi dada em entrevista à jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, publicada neste sábado (22), em um momento crítico para o ex-presidente brasileiro, que pode se tornar réu no Supremo Tribunal Federal (STF) na próxima terça-feira (25).
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Amorim avaliou que, há alguns anos, ter um governo de extrema direita no Brasil era relevante dentro da geopolítica internacional, mas que o contexto atual é outro.
“O Bolsonaro ficou pequeno diante das grandes questões do mundo hoje”, comentou o ex-chanceler.
Ele explicou que Trump respeita o poder e aqueles que demonstram força e influência, citando sua relação com líderes como Vladimir Putin e Xi Jinping.
“Trump respeita o poder. Pessoas que são capazes de agir. Ele acaba de dizer que gosta do Putin. E pode até não gostar, mas ele respeita o Putin. Respeita o Xi Jinping”, afirmou Amorim.
No entanto, ao analisar a relação de Trump com Bolsonaro, Amorim sugere que o brasileiro não tem o mesmo peso e não é levado a sério por Trump.
“Agora, se ficar lá querendo adular, como fizeram o [Volodimir] Zelenski e alguns europeus, ele não respeita”, completou.
Big Techs e a soberania nacional
Outro tema abordado por Amorim foi a disputa entre big techs e o Estado brasileiro. O ministro do STF Alexandre de Moraes tem alertado para os riscos que essas empresas representam ao desrespeitarem a jurisdição de países fora dos Estados Unidos, adotando uma postura de "tudo ou nada" diante das regulamentações nacionais.
Para Amorim, esse embate reflete o avanço da extraterritorialidade das leis estadunidenses e o poder que as gigantes da tecnologia exercem na economia e na política dos EUA.
“Os americanos sempre tiveram essa visão da extraterritorialidade da lei americana. Mas agora eles têm a possibilidade técnica para efetivar isso”, afirmou.
Ele citou a posse de Trump, que contou com a presença de figuras como Elon Musk, para exemplificar a proximidade entre o governo norte-americano e as grandes empresas de tecnologia.
“São egos muito grandes ali. Eu acho que vai acabar havendo uma diferença entre as big techs, que têm um interesse puramente econômico, e a política”, ponderou o diplomata.
Amorim também observou que as big techs estão começando a compreender que o Brasil não abrirá mão de sua soberania e que, se quiserem atuar no país, deverão seguir as regras estabelecidas pelo governo brasileiro.
“Se quiserem atuar aqui, têm que ser de acordo com as nossas regras, que não são arbitrárias. São para todos, são para proteger os cidadãos. A Europa tem uma visão parecida com a nossa”, destacou.
Trump e a transformação da ordem global
O ex-chanceler ressaltou que o mundo está passando por uma das maiores transformações estruturais da história recente, com os Estados Unidos questionando a ordem mundial que eles mesmos ajudaram a construir no pós-Segunda Guerra.
“O multilateralismo tem um pouco de teatro, e Trump está acabando com ele. Ele defende os interesses dos EUA de maneira deslavada, e nós temos que nos reorganizar diante disso”, explicou.
Ele citou como exemplo a forma direta com que Trump trata questões geopolíticas e econômicas, como a possível compra da Groenlândia — que, segundo o presidente dos EUA, interessaria não por razões geopolíticas, mas pelos recursos minerais do território dinamarquês.
Brasil e a nova ordem mundial
Diante desse cenário, Amorim afirmou que o Brasil precisa fortalecer sua posição regionalmente e buscar alianças variáveis, mantendo boas relações tanto com Estados Unidos, China, Rússia e Europa.
“O Brasil pode ser uma potência grande, mas será mais forte se estiver unido com a América do Sul. Temos que nos relacionar de maneira inteligente com as superpotências e com a Europa. O nosso grande desafio, nessa divisão do mundo, é não ser colônia de ninguém”, disse.
O diplomata também destacou o fortalecimento do Sul Global, bloco de países emergentes que inclui Brasil, Índia e África do Sul, e afirmou que essa aliança pode ganhar mais relevância na nova ordem internacional.