CRISE

Parlamentares petistas criticam Múcio: "Minimizar o que aconteceu é um desserviço ao Brasil"

Declarações de Múcio no Roda Viva irritam petistas e expõem falta de alinhamento no governo. Ministro da Defesa evitou chamar 8 de janeiro de golpe e relativizou papel das Forças Armadas, gerando incômodo na base governista

Parlamentares petistas criticam Múcio: "minimizar o que aconteceu é um desserviço ao Brasil".Créditos: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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As declarações do ministro da Defesa, José Múcio, durante sua participação no Roda Viva nesta segunda-feira (10), intensificaram as tensões dentro do governo e expuseram um desalinhamento que preocupa a base aliada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Durante a entrevista, Múcio evitou classificar os atos de 8 de janeiro como uma tentativa de golpe e minimizou o papel de setores militares e políticos na sua organização. O tom adotado pelo ministro foi visto como um retrocesso por parlamentares governistas, que defendem uma abordagem mais dura contra os envolvidos nos ataques.

A crise gerada pelas falas de Múcio reforça uma preocupação antiga de setores do governo sobre sua postura excessivamente conciliatória com os militares. Desde sua nomeação, o ministro tem sido visto como um elo de comunicação entre o Planalto e as Forças Armadas, mas essa relação, que inicialmente parecia benéfica para estabilizar o governo, começa a se tornar um problema. Parlamentares do PT e aliados temem que a insistência de Múcio em contemporizar os fatos acabe enfraquecendo a posição do governo e favorecendo narrativas bolsonaristas.

A entrevista de Múcio gerou reações imediatas no Congresso. A coluna conversou com parlamentares como os deputados Carlos Zarattini (PT-SP) e Rogério Correia (PT-MG) que criticaram duramente o ministro. Zarattini, defensor da extinção da GLO, considera que a posição de Múcio contradiz as evidências apuradas pela Polícia Federal e pela CPI do 8 de Janeiro, que apontam a existência de um planejamento estruturado para os ataques.

O deputado Zarattini é autor de um projeto que busca modificar o artigo 142 da Constituição para afastar as Forças Armadas da política e impor restrições mais rígidas para a participação de militares em eleições. Para ele, a GLO se tornou um instrumento que pode ser explorado para interesses políticos, e sua permanência representa um risco ao equilíbrio democrático.

"A GLO é uma forma equivocada de atuação interna das Forças Armadas. Permite intervenções sem controle, sem autorização do Congresso. Precisamos modificar esse artigo da Constituição para evitar que se repita o que vimos nos últimos anos."

Múcio, por sua vez, defendeu a permanência da GLO, alegando que o dispositivo é essencial para garantir a segurança pública em situações excepcionais. Durante a entrevista, o ministro afirmou que "nunca houve ameaça de golpe com a GLO", minimizando os riscos de que esse mecanismo seja usado para fins políticos. Sobre isso, Zarattini falou em tom de surpresa:

"Ele disse que não houve tentativa de golpe? Eu discordo totalmente. A CPI do 8 de Janeiro e as investigações da Polícia Federal comprovam que havia uma articulação. O Braga Netto está preso por quê? O Cid delatou o quê? Houve uma tentativa de golpe e o 8 de janeiro foi parte desse plano. Mas o Múcio tenta fazer um meio de campo, aliviar o peso da responsabilidade dos militares."

Correia foi ainda mais incisivo, acusando o ministro de ser conivente com setores que ainda tentam minimizar os ataques e relativizar os riscos institucionais que o Brasil enfrentou.

"Só alguém muito mal-intencionado ou inocente duvidaria da existência de uma tentativa de golpe no Brasil. O que aconteceu no 8 de janeiro foi uma tentativa clara de destruir as instituições democráticas."

Correia também destacou que a postura de Múcio acaba enfraquecendo a narrativa do governo ao dar espaço para discursos revisionistas sobre o ocorrido.

"Se a gente não trata esse assunto com seriedade, a história vai ser reescrita pelos mesmos que tentaram dar um golpe. O ministro devia saber que minimizar o que aconteceu é um desserviço ao Brasil."

O deputado ainda alertou para os efeitos dessa postura dentro da base aliada e na percepção pública:

"O próprio governo precisa se alinhar. A gente não pode dar margem para que o povo acredite que os golpistas não tinham um plano. Isso era uma articulação, e qualquer tentativa de suavizar esse fato só favorece quem esteve por trás disso."

Múcio está cavando a própria demissão?

Algumas das fontes com quem a coluna conversou chegaram a questionar se Múcio não estaria cavando a própria demissão, uma vez que o presidente insiste em sua permanência no cargo. Há uma percepção crescente de que o ministro tem se tornado um elemento de desgaste dentro da estrutura governista, e sua manutenção no Ministério da Defesa pode se tornar insustentável se as críticas continuarem se avolumando.

Mesmo com a insatisfação evidente, há uma barreira dentro da base governista: poucos parlamentares se dispõem a criticar Múcio publicamente. O ministro, independentemente do que diga ou faça, segue respaldado pelo presidente Lula, o que gera um cenário em que deputados e senadores da base hesitam em apontar equívocos de sua gestão. Um senador da base governista fez a seguinte declaração sobre o tema:

"Múcio faz o que quer e, no final, tem apoio total do presidente. Se um deputado do governo vai para a imprensa criticar, pode acabar desautorizado pelo próprio Planalto. Então ninguém quer comprar essa briga."

Essa dificuldade de confrontar Múcio tem se tornado um fator constante dentro do governo. Parlamentares que cobram um posicionamento mais duro em relação aos militares frequentemente esbarram na blindagem política do ministro, que mantém interlocução com o Alto-Comando das Forças Armadas e a confiança do presidente.

Zarattini também criticou o excesso de zelo com golpistas e afirmou:.

"Essas declarações do Múcio são parte de um jogo para aliviar essa turma golpista. Não tem que passar pano. Tem que punir todos os envolvidos. O ministro não pode fazer esse meio de campo para proteger quem tentou derrubar a democracia."

Impacto político e riscos para o governo

A entrevista de Múcio acontece em um momento crítico para o governo, que busca consolidar sua base e evitar instabilidades desnecessárias. Com as eleições municipais se aproximando, a preocupação é que o governo transmita uma imagem de desorganização e falta de unidade, o que pode afetar candidaturas aliadas e impactar sua capacidade de articulação política nos estados.

A oposição, por sua vez, tem aproveitado a oportunidade para reforçar a narrativa de que o presidente Lula enfrenta dificuldades para manter controle sobre sua equipe ministerial. As falas de Múcio já estão sendo exploradas por parlamentares bolsonaristas para relativizar as decisões judiciais contra os envolvidos nos ataques e enfraquecer o discurso governista sobre o ocorrido.

O desgaste interno gerado pelas declarações do ministro expõe a dificuldade do governo em lidar com questões sensíveis envolvendo as Forças Armadas. Enquanto a pressão por uma postura mais dura em relação aos militares cresce dentro do Congresso, Lula segue protegendo Múcio e mantendo sua estratégia de evitar conflitos diretos com setores militares.

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