Desde que foi apresentada, a proposta de anistia aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 nunca teve, de fato, força real no Congresso Nacional. O tema ganhou visibilidade mais por uma construção narrativa da oposição bolsonarista do que por um apoio político concreto. Diversos parlamentares ouvidos pela coluna confirmaram que a anistia não possui apelo popular, não traz benefícios diretos aos deputados e senadores e tampouco é uma pauta capaz de gerar dividendos eleitorais significativos. Trata-se de uma agenda restrita a um grupo específico, sem capilaridade social ou política.
Membros da articulação política do governo admitiram à coluna que a oposição frequentemente utiliza estratégias para inflar artificialmente determinadas pautas, criando a sensação de que são relevantes para o debate nacional. “Infelizmente, em algumas ocasiões, o próprio governo acaba acreditando nessas articulações e reagindo como se fossem temas com impacto real”, reconheceu um interlocutor direto das negociações no Congresso. A anistia do 8 de janeiro é o exemplo mais recente desse tipo de manobra.
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O discurso de Hugo Motta expõe a fragilidade da pauta
O novo presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), deixou claro, em seu primeiro discurso após ser eleito, que a anistia está longe de ser uma prioridade. Em um gesto simbólico, Motta ergueu um exemplar da Constituição, repetindo o ato de Ulysses Guimarães durante a promulgação da Carta Magna de 1988, e declarou com veemência: "Tenho nojo da ditadura". O impacto da declaração é ainda maior quando comparado à postura de seu antecessor, Arthur Lira (PP-AL), que em diversos momentos evitou tratar diretamente da defesa da democracia, preferindo uma abordagem ambígua e distante de temas sensíveis ligados ao autoritarismo.
Motta foi além, afirmando que "o passado é um caminho sem volta, termina na destruição da política, no colapso da democracia, e não podemos correr o risco de experimentar", sinalizando que a Câmara não será terreno fértil para pautas que flertem com o golpismo. Para ele, o Legislativo deve ser uma barreira contra inimigos da democracia, postura que contrasta fortemente com o período de Lira, marcado por uma relação mais pragmática e silenciosa diante de temas ligados aos ataques às instituições democráticas.
Além da defesa enfática da democracia, Motta destacou a necessidade de um Parlamento comprometido com pautas de interesse público real, como a transparência nos gastos públicos e a estabilidade econômica. O novo presidente defendeu, por exemplo, a criação de uma plataforma digital integrada entre os Três Poderes para o acompanhamento em tempo real das despesas públicas, reforçando o compromisso com a responsabilidade fiscal e o controle social.
O Senado fecha as portas para a anistia
No Senado, o novo presidente Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) também tratou o tema com frieza, sinalizando desinteresse e distância da pauta. Alcolumbre nunca nutriu um real interesse ou preocupação com o tema da anistia e, segundo parlamentares próximos, sua estratégia é se manter o mais distante possível dessa discussão. "Enquanto ele não tiver que se envolver e lidar diretamente com a questão, melhor", comentou um senador da base do centrão à coluna.
Alcolumbre afirmou publicamente que a anistia "não vai pacificar o Brasil", contrariando o argumento de seus defensores de que o perdão aos envolvidos nos atos golpistas seria uma medida para "virar a página". Para o senador, insistir nessa pauta significa manter o país preso a uma agenda de discórdia, em vez de avançar em questões que promovam a conciliação e o desenvolvimento.
Essa postura de Alcolumbre reflete um sentimento comum entre senadores e deputados do centrão. Muitos parlamentares desse bloco político preferem evitar qualquer associação com o tema, considerando-o não apenas irrelevante do ponto de vista legislativo, mas também prejudicial para suas próprias estratégias eleitorais. “Não é uma pauta que traz benefícios políticos, não ajuda na pacificação do país e, na verdade, só serve para acirrar ainda mais as divisões e crises que o Brasil enfrenta”, disse um deputado da base do centrão.
Entre os parlamentares do centrão, a avaliação é unânime: a anistia não só não ajuda na unificação da política brasileira, como pode aprofundar ainda mais as polarizações e tensões institucionais. O tema é visto como um fator de instabilidade, capaz de alimentar crises em vez de contribuir para soluções.
O que dizem deputados e senadores: falta de apelo popular e benefício político
Em conversas reservadas com a coluna, diversos deputados e senadores foram unânimes em afirmar que a anistia não tem força suficiente para avançar. Um deputado da base governista resumiu a situação: "Essa pauta não tem clamor popular, não tem apoio de grandes lideranças e, o mais importante para o Congresso, não traz nenhum benefício direto aos parlamentares."
Os parlamentares destacaram três pontos principais que explicam a falta de tração da proposta:
- Ausência de apelo popular: Não há pressão significativa da sociedade para que o tema avance. Ao contrário, a maior parte da população demonstra rejeição à ideia de anistiar indivíduos envolvidos em atos que atacaram as instituições democráticas.
- Falta de benefícios eleitorais: Projetos que não geram dividendos eleitorais dificilmente ganham prioridade no Congresso. A anistia não mobiliza a base de eleitores da maioria dos parlamentares e, para muitos, associar-se a essa pauta pode ser prejudicial em suas respectivas regiões.
- Inexistência de grandes lideranças engajadas: A proposta não conta com o respaldo ativo de figuras políticas de peso. Mesmo entre aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, há resistência em abraçar o tema com intensidade, cientes do desgaste que isso pode representar junto ao eleitorado mais moderado. Só Jair Bolsonaro e seus filhos estão mobilizado para isso por questões pessoais, o que dificulta.
Além disso, a falta de uma articulação política robusta dentro do Congresso dificulta qualquer avanço. “É uma pauta que interessa a um grupo muito restrito de pessoas, tanto na sociedade quanto no Parlamento. Dificilmente vai encontrar alguma vazão, a não ser que haja uma articulação muito específica, o que hoje não existe”, afirmou um senador ouvido pela coluna.
O papel da oposição: criar a ilusão de relevância
A insistência em manter o tema da anistia em evidência faz parte de uma estratégia política da oposição bolsonarista. O objetivo é duplo: manter sua base radical mobilizada e forçar o governo a reagir a uma agenda que, em termos práticos, não teria relevância. “Eles criam o barulho, mas quando olhamos para o que realmente importa, o tema está parado, sem apoio e sem força para avançar”, comentou um deputado experiente da base aliada.
Essa tática não é nova. A oposição já utilizou estratégias semelhantes no passado, amplificando pautas que não tinham respaldo político real, mas que serviam para criar narrativas de perseguição ou vitimização. No caso da anistia, a tentativa de inflar sua importância contrasta com a realidade dos corredores do Congresso, onde o tema é visto com ceticismo e desinteresse pela maioria dos parlamentares.
Uma pauta sem futuro
A proposta de anistia aos golpistas do 8 de janeiro nunca foi uma pauta com força genuína. Trata-se de um tema inflado por narrativas da oposição bolsonarista, sem respaldo popular, sem apoio significativo dentro do Congresso e sem articulação política que lhe permita prosperar.
Com o novo cenário político, marcado por lideranças no Congresso que reafirmam o compromisso com a democracia, como Hugo Motta e Davi Alcolumbre, a anistia permanece onde sempre esteve: à margem das prioridades do país. O barulho feito em torno do tema pode servir para alimentar discursos radicais, mas, na prática, o projeto está fadado ao esquecimento, refletindo sua verdadeira dimensão: um tema inflado, sem base, sem futuro.