A primeira reunião de “conciliação” sobre ações relacionadas ao marco temporal, a PEC 48/2023, para demarcação de Terras Indígenas vai começar no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta segunda-feira (5) e se estenderá até o final do ano. O encontro foi agendado pelo ministro Gilmar Mendes, relator de cinco processos sobre o tema e que determinou a "conciliação". Participarão da reunião seis representantes indicados pela Articulação dos Povos Indígenas (Apib), seis pelo Congresso Nacional, quatro pelo governo federal, dois pelos estados e um pelos municípios.
Em entrevista à Fórum, a presidenta da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep) que acompanha a Comissão de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, Rivana Ricarte destaca que a nova fase da discussão traz riscos. “Os direitos previstos no art. 231 da Constituição Federal, como os limites dos territórios tradicionais, direitos socioculturais e ambientais, bem como o usufruto exclusivo das terras indígenas, são indisponíveis. Por essa razão, falar de negociação e acordos parece arriscado. Nesse contexto, surge a dúvida: se a maioria dos participantes apoiar uma solução, mas os representantes dos indígenas não, essa solução poderá ser adotada?”, afirma.
Te podría interesar
Segundo Ricarte, os indígenas, por meio da Apib, já se manifestaram contrariamente à instauração da “conciliação” sobre os seus direitos. “É difícil esperar que os ânimos estejam calmos. Ao que tudo leva a crer, será um novo período de acirrado debate de forças entre ruralistas e aqueles que defendem os direitos dos povos indígenas”, diz. A lei pode definir para sempre qual é o futuro dos povos indígenas no Brasil, abrindo precedente para a revisão de todas as terras indígenas brasileiras.
Defendida por pecuaristas, bolsonaristas e membros da bancada ruralista brasileira, o marco temporal busca estabelecer um critério temporal para a demarcação de terras indígenas, restringindo os direitos constitucionais dos povos originários. Segundo essa tese, só podem ter terras demarcadas os povos que comprovarem que, no momento da aprovação da Constituição de 1988, viviam no local e pouquíssimas etnias poderão comprovar que viviam no local na data especificada.
Te podría interesar
“A teoria do marco temporal desconsidera a classificação dos direitos indígenas como fundamentais, ou seja, como cláusulas pétreas que não podem ser suprimidas por emendas à Constituição pois que 'os direitos territoriais indígenas, previstos no art. 231 da Constituição, visam à garantia da manutenção de suas condições de existência e vida digna'”, ressalta a presidenta da Anadep.
‘Proteção de direitos fundamentais não pode ser objeto de negociação’
De acordo com ela, falar dos direitos indígenas não é só falar de demarcação de terras. “É preciso ter em conta que eles se expressam em direitos coletivos onde a questão do tempo, do nascimento e da morte é significativamente alterada, na medida em que tais direitos nascem com o povo a que se referem sob o ponto de vista do reconhecimento de seu direito fundamental à vida e a existir conforme seus usos, tradições e costumes. Por esse motivo, não há sentido falar em marco temporal”.
“De modo amplo, os processos de conciliação são vistos de maneira positiva pela Defensoria Pública. Acordos que evitam ou põem fim a litígios são medidas positivas, porque tendem a gerar pacificação social. A proteção de direitos fundamentais de minorias sociais e políticas não pode ser objeto de negociação ou transação. Ademais, não se pode fazer conciliação sobre direitos contra a vontade do seu titular, pois qualquer acordo pressupõe a concordância das partes afetadas. Esse é o ponto que merece atenção.”
Veja quem apoiou a PEC do Marco Temporal no Senado:
- Senador Dr. Hiran (PP/RR),
- Senadora Margareth Buzetti (PSD/MT),
- Senador Sérgio Petecão (PSD/AC),
- Senador Wilder Morais (PL/GO),
- Senador Styvenson Valentim (PODEMOS/RN),
- Senador Esperidião Amin (PP/SC),
- Senador Luis Carlos Heinze (PP/RS),
- Senador Hamilton Mourão (REPUBLICANOS/RS),
- Senador Izalci Lucas (PSDB/DF),
- Senador Mecias de Jesus (REPUBLICANOS/RR),
- Senador Marcos do Val (PSDB/ES),
- Senador Sergio Moro (UNIÃO/PR),
- Senador Plínio Valério (PSDB/AM),
- Senador Carlos Viana (PODEMOS/MG),
- Senadora Tereza Cristina (PP/MS),
- Senador Astronauta Marcos Pontes (PL/SP),
- Senador Eduardo Girão (NOVO/CE),
- Senador Marcio Bittar (UNIÃO/AC),
- Senador Magno Malta (PL/ES),
- Senador Jorge Seif (PL/SC),
- Senador Chico Rodrigues (PSB/RR),
- Senadora Damares Alves (REPUBLICANOS/DF),
- Senadora Ivete da Silveira (MDB/SC),
- Senador Flávio Bolsonaro (PL/RJ),
- Senador Irajá (PSD/TO),
- Senador Carlos Portinho (PL/RJ),
- Senador Marcos Rogério (PL/RO)
Tese é também risco direto para meio ambiente
Um marco alarmante já foi atingido no dia 1º de agosto: ficou marcada como a data em que esgotou todos os recursos naturais que a Terra seria capaz de regenerar em um ano. O fato evidencia a urgência de combater os retrocessos na política ambiental, que no Brasil é rejeitada para o favorecimento de atividades agropecuárias há anos. A demarcação de terras indígenas, ao garantir a proteção de ecossistemas essenciais e o respeito aos direitos dos povos originários, emerge como mais uma medida crucial, de acordo com Rivana Ricarte.
“As terras indígenas contribuem para a diminuição do efeito estufa A demarcação de terras, ao proteger os limites das terras indígenas, e garantir a ocupação tradicional, assegurando o exercício das atividades tradicionais dos povos indígenas, contribui, consequentemente, com a preservação do meio ambiente e com a manutenção do clima”, completa a defensora.