TERRA INDÍGENA

Gilmar Mendes derruba Marco Temporal e determina conciliação entre os poderes

Em sua decisão, o ministro do STF suspendeu todo os processos na Justiça que discutem a constitucionalidade da lei aprovada e que fixou o Marco Temporal

Gilmar Mendes derruba Marco Temporal e determina conciliação entre os poderes.Créditos: Joedson Alves/Agência Brasil
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O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, determinou na noite desta segunda-feira (22) a suspensão de todos os processos na Justiça que discutam a constitucionalidade da lei aprovada no passado, que fixou o Marco Temporal a partir da data da promulgação da Constituição, ou seja, 5 de outubro de 1988.

Além disso, a decisão de Gilmar Mendes determina uma conciliação entre os poderes para que debatam a tese do Marco Temporal para demarcação de Terras Indígenas.

Dessa maneira, a conciliação estipulada pelo ministro Gilmar Mendes vai contar com a participação dos partidos e entidades que acionaram o Supremo (contra e a favor do Marco Temporal). Também devem participar representantes do Executivo, Legislativo, a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Procuradoria-Geral da República (PGR). Mendes estabeleceu o prazo de 30 dias para que as representações façam suas respectivas propostas para discussão das ações.

Em sua decisão, o ministro Gilmar Mendes declarou que é preciso ir à origem do conflito. "A temática discutida nas ações de controle concentrado ora apreciadas suscita controvérsias acirradas, de dificílima resolução não apenas pela via dos métodos heterocompositivos de resolução de conflitos, como pelo processo político regular".

 

Mendes também afirma que quer evitar o efeito backlash, ou seja, uma reação violenta à norma. "Todavia, considero importante registrar que, para sentar-se à mesa, é necessário disposição política e vontade de reabrir os flancos de negociação, despindo-se de certezas estratificadas, de sorte a ser imperioso novo olhar e precedimentalização sobre os conflitos entre os poderes, evitando que o efeito backlash seja a tônica envolvendo a questão do Marco Temporal".

 

A determinação de Gilmar Mendes suspende o Marco Temporal aprovado pelo Congresso Nacional e impede que decisões conflitantes sejam tomadas nas instâncias inferiores da Justiça. Após a apresentação das propostas de conciliação, o Supremo Tribunal Federal deve retomar a discussão sobre a legalidade da norma em questão.

A disputa política em torno do Marco Temporal: entenda 
 

O presidente Lula vetou o Marco Temporal aprovado pelo Congresso Nacional, mas por 321 votos a 137 na Câmara e por 53 votos a 19 no Senado, os parlamentares derrubaram o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à lei que estabelece o marco temporal para a demarcação de terras indígenas.

De acordo com a norma, que vai para promulgação após a derrubada do veto, os povos indígenas não poderão mais reivindicar territórios que não possam comprovar sua ocupação em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.

A tese é considerada por críticos da esquerda e pelos próprios indígenas como um dos principais instrumentos do agronegócio para invadir e explorar terras indígenas, e um ataque frontal aos direitos dos povos originários. De acordo com a cartilha “Marco Temporal” da Articulação dos Povos Indígenas (Apib), 1393 territórios estão sob ameaça.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 226 processos que envolvem disputas de terras podem ser impactados. Para a deputada federal indígena Celia Xakriabá (Psol-MG), a derrubada dos vetos é uma “derrota da humanidade”.

“Se hoje derrubarmos esses vetos que são cruciais para o futuro dos povos indígenas será uma derrota não apenas para o Brasil, mas uma derrota para toda a humanidade. Eu tenho dito para os senhores parlamentares e encontro pessoas pelos corredores dizendo que são a favor dos povos indígenas. Mas não se pode ser a favor dos povos indígenas e continuar representando a violência histórica cometida contra nós. Votar pela derrubada do veto é premiar ladrões de terras indígenas”, declarou a ministra durante a sessão.

Derrota do Governo

A derrubada dos vetos representa mais uma derrota para o Governo Federal que tentou, nos últimos meses, articular a manutenção dos mesmos. O próprio veto parcial, quando consolidado, foi muito criticado por indígenas e ambientalistas por não ter abrangido uma série de pormenores que garantiriam os direitos originários.

Durante reunião entre Lula e ministros que determinou o veto parcial foi exposta a necessidade de não se fazer um veto total, uma vez que seria mais fácil de ser derrubado pelo Congresso. Nesse sentido, a ministra Sônia Guajajara explicou para a imprensa que foi necessário encontrar os pontos do projeto de lei que estivessem dentro da Constituição.

“O Ministério dos Povos inicialmente recomendou o veto total. Posteriormente fizemos uma análise criteriosa e conseguimos, ali, olhar os artigos que já estão garantidos na Constituição Federal, portanto poderiam ficar ali”, disse a ministra para a imprensa.

Na justificativa para o veto da tese, Lula apontou a inconstitucionalidade da tese que, na sua opinião, contraria o interesse público uma vez que permite a usurpação de terras indígenas.

STF, indígenas e contestação

O Supremo Tribunal Federal decidiu em setembro por 9 votos a 2, que a tese do marco temporal é inconstitucional, argumento seguido por Lula em seu veto parcial. Mas na semana seguinte a Câmara e o Senado se apressaram para discutir e aprovar a lei que vai no sentido oposto. Esse processo foi visto como uma provocação ao Supremo.

Dada a decisão da instância máxima do Poder Judiciário, organizações indígenas ainda podem contestar a normativa junto ao STF.

PT vai acionar o STF contra derrubada do veto ao Marco Temporal

O PT, com o apoio da sua bancada na Câmara dos Deputados, vai protocolar no Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a derrubada do veto ao Marco Temporal, aprovada nesta quinta-feira (14) em sessão do Congresso Nacional.

“É absolutamente inconstitucional a manutenção do Marco Temporal, uma investida conservadora segundo a qual poderiam ser demarcadas apenas as terras tradicionalmente ocupadas por indígenas na data da promulgação da Constituição Federal de 1988. Caso prevaleça tal pretensão, os povos indígenas estariam expostos a uma grave violação dos seus diretos constitucionais e submissos à violência histórica praticada pelo Estado e por setores dominantes da sociedade ávidos pelas terras e riquezas dos territórios dos povos originários”, diz nota do partido.

O veto firmado por Lula refutou também, na essência, a tentativa de anulação de direitos conquistados pelos povos indígenas e amplamente respaldados pela sociedade brasileira. Uma proteção para que essas terras não sejam invadidas por pastos, monoculturas, mineração e todo tipo de exploração que ameaça os povos indígenas e a natureza.

“O Partido dos Trabalhadores entende que a defesa das Terras Indígenas é ainda essencial para a árdua batalha contra as mudanças climáticas e o desmatamento criminoso, uma vez que cerca de 98% da área total delas está preservada. Elas atendem, assim, ao interesse geral da sociedade, do Estado e da economia. Os povos indígenas prestam um serviço ambiental ao Brasil e a todo o planeta, ao preservarem matas e florestas. Por sinal, ajudam a manter o regime de chuvas tão precioso às atividades agropecuárias. Em um ano marcado por fóruns globais sobre as questões ambientais, a manutenção do famigerado Marco Temporal se coloca como uma barreira à construção do Brasil como um líder global na transição ecológica e uma nação plural, solidária, justa e democrática.”, finaliza a nota do PT.