O deputado federal Arthur Lira (PP-AL), o poderoso presidente da Câmara dos Deputados, tem demonstrado apoio à polêmica tese do Marco Temporal, que pode comprometer a demarcação de terras indígenas no Brasil.
Para compreender de onde vem os interesses do parlamentar alagoano com esse tema, o De Olho nos Ruralistas elaborou o dossiê Arthur, o Fazendeiro - A face agrária dos clãs Pereira e Lira.
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O De Olhos nos Ruralistas é um observatório do agronegócio no Brasil que esmiúça os impactos sociais e ambientais, do desmatamento à expulsão de camponeses, da comida com agrotóxicos à violação de direitos dos povos indígenas, desse setor produtivo, elaborou o dossiê.
A partir dos dados apresentados na publicação do observatório do agro, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) lançou esta semana uma campanha inédita que mostra os interesses de Lira em derrubar os vetos de Lula ao Marco Temporal.
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CHAMADO A SOCIEDADE | O Dom Grill pertence à família do presidente da Câmara de Deputados, Arthur Lira. A carne de gado da empresa é produzida na área sobreposta à TI Kariri-Xocó, em Alagoas.
— Apib Oficial (@ApibOficial) November 30, 2023
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Interesses familiares
Um aspecto controverso dessa influência é a expansão pecuária em terras indígenas. Uma das fazendas de Arthur Lira está localizada próxima ao povoado indígena Karapotó Terra Nova. Adelmo Pereira, tio de Arthur, esteve envolvido em um conflito de três décadas contra o povo Kariri-Xocó. Os Pereira e Lira também são donos de terras sobrepostas à área reestudada da Terra Indígena Kariri-Xocó, homologada em junho de 2023.
O decreto 11.508/2023 ampliou a Terra Indígena Kariri-Xocó de 600 para 4.689 hectares, localizada na fronteira entre Alagoas e Sergipe, na região do Rio São Francisco.
Essa demarcação foi o resultado de um extenso processo de reivindicações iniciado nos anos 1990. Conforme o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022, a comunidade indígena, composta por 2.260 membros, vive em uma área consideravelmente menor do que o necessário, tendo em vista a segurança alimentar e a reprodução cultural do povo.
A posição de Lira sobre o Marco Temporal e os interesses de sua família nas terras indígenas levantam questionamentos sobre possíveis conflitos de interesse na sua atuação política.
Entre vaquejadas e domínio agropecuário
As informações do dossiê sobre o presidente da Câmara revelam a extensão do império agropecuário dos clãs Lira e Pereira, lado paterno e materno da família do deputado alagoano.
Lira tem suas raízes políticas profundamente entrelaçadas com as atividades agropecuárias e a influência de sua família no interior de Alagoas. As famílias Pereira e Lira, que administram fazendas e currais eleitorais, são conhecidas por suas cavalgadas e vaquejadas, eventos que também servem para angariar votos.
A influência política de Lira é evidenciada pelo seu papel no cenário agropecuário de Alagoas e Pernambuco. As famílias Lira e Pereira possuem vastas extensões de terra dedicadas à pecuária bovina. Arthur Lira e seu pai, o ex-senador Benedito de Lira, possuem ou arrendam 14 imóveis rurais, que cobrem quase 4 mil hectares.
Os clãs Pereira e Lira controlam cinco prefeituras em Alagoas e estão à frente de consórcios intermunicipais beneficiados por emendas parlamentares. Negócios de frigoríficos ligados à família possuem contratos com essas prefeituras, alguns dos quais foram embargados por irregularidades.
A atuação de César Lira, primo de Arthur, como chefe do Incra em Alagoas, também levanta questões, com relatos de agressões e ameaças contra assentados e sem-terra.
Em agosto de 2023, Arthur e seu pai estiveram envolvidos no despejo de uma família de camponeses em Quipapá, Pernambuco. Estes episódios ilustram a complexa teia de poder e influência da família de Arthur Lira no cenário político e agropecuário brasileiro.
O que é o Marco Temporal
O Marco Temporal busca estabelecer um critério temporal para a demarcação de terras indígenas, restringindo os direitos constitucionais dos povos indígenas.
Segundo essa tese, só podem ter terras demarcadas os povos que comprovarem que, no momento da aprovação da Constituição de 1988, viviam no local.
Pouquíssimas etnias poderão comprovar que viviam no local na data especificada. Na prática, isso ia retirar os indígenas de suas terras e invalidar as áreas demarcadas.
Apesar de considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a tese do Marco Temporal seguiu para votação no Senado e na Câmara, onde foi aprovado.
Quando chegou à sanção do presidente Lula, foi vetado. No entanto, o Congresso Nacional tem a possibilidade de derrubar o veto presidencial e instaurar o Marco Temporal.