Em nova entrevista, desta vez ao site do jornal O Estado de S.Paulo, o ex-assessor de Alexandre de Moraes, Eduardo Tagliaferro, afirmou que "me parece bastante lógico que alguém manipulou o aparelho [celular] durante os seis dias" em que esteve sob responsabilidade da Polícia Civil de Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos), governador de São Paulo.
Tagliaferro confirmou que as conversas entre subordinados do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) que estão sendo divulgadas pela Folha de S.Paulo, em parceria com Glenn Greenwald, foram vazadas do aparelho dele, apreendido em condições controversas em meio à sua prisão por disparo acidental de arma de fogo e suposta violência doméstica.
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Testemunha da investigação aberta a pedido de Moraes sobre o caso, ele aponta as controvérsias - já reveladas pela Fórum - sobre a apreensão do aparelho ao ser indagado se "reuniu provas de que não vazou as conversas".
"A absoluta estranheza desde a apreensão em uma delegacia completamente diversa dos fatos inicias, sua forma desvinculada a qualquer decisão judicial, sua devolução sem respeito ao procedimento de deslacre na minha presença, uma certidão que demonstra que o conteúdo foi acessado e o fato de estar corrompido e impedir a migração dele para o aparelho novo não são mais do que suficientes? Me parece bastante lógico que alguém manipulou o aparelho durante os seis dias", respondeu Tagliaferro.
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O ex-chefe do Departamento de Fake News do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) disse a origem do vazamento "caberá a investigação apurar e reconhecer a minha inocência".
"Posso afirmar que não tenho relação alguma com as informações retiradas de meu aparelho que ficou ilegalmente apreendido por seis dias", disse.
Tagliaferro ainda contou que foi indicado para o cargo "por outros membros do Judiciário" e que a comunicação não era feita diretamente com Moraes, mas por meio de assessores do ministro, como os juízes auxiliares.
"Como falei era uma chuva de demandas. Pessoas poderosas, midiáticas. Claro que isso me deixava apreensivo, mas dado que eram ordem do ministro e, como respeito muito ele, fazia o melhor para atender totalmente a demanda", afirmou.
O ex-assessor ainda afirmou que havia demandas para pesquisar "poucas e raras as pessoas de esquerda" nessa "chuva de demandas" em meio à "loucura" das eleições de 2022.
Vale ressaltar que os ataques às instituições e as fake News sobre as urnas eletrônicas partiram de Jair Bolsonaro (PL) e aliados, o que facilmente justifica um maior volume de bolsonaristas a serem investigados.
Tagliaferro ainda disse que durante o trabalho chegou a questionar superiores sobre demandas que ele tinha a "sensação" de não serem ligadas às eleições ou ao TSE.
"Muitas vezes tinha a sensação de que alguns pedidos não eram ligados às eleições ou com questões do TSE sim. Questionei meus superiores e me foi explicado que estava tudo certo, não havia problema nenhum e que era para seguir apenas fazendo o meu trabalho. Não questionei e busquei fazer o meu melhor, sem maiores ponderações. Espero que eles realmente estejam certos e não cometido nenhuma ilegalidade sendo induzido a erro. Se, eventualmente fiz algo errado, espero ter a oportunidade de me desculpar. Nunca quis prejudicar ninguém e apenas executei o meu trabalho orientado por eles", conta ele.
Disparo de arma
Em entrevista na sexta-feira (23) à revista Oeste, formada por remanescentes da Jovem Pan que apoiam Bolsonaro, o ex-chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do TSE afirmou que sua prisão em 9 de maio de 2023 por violência doméstica foi "armação política".
"Fui preso ilegalmente, porque não houve violência doméstica. O disparo da arma foi acidental. O processo que corre no município de Caieiras (SP) trata apenas de disparo acidental de arma de fogo. Todas as testemunhas são claras: não atirei. O laudo mostra que minhas mãos não tinham vestígios de pólvora nem de chumbo. Foi uma armação política. Não fui sequer para uma cela. Fiquei numa sala a noite inteira", afirmou.
A informação levanta ainda mais suspeitas sobre a atuação da polícia civil de São Paulo, estado comandando por Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos, no caso, que foi vazado nas redes pela deputada Carla Zambelli (PL-SP), com antecipou a Fórum em reportagem citada na decisão de Moraes para apreender o celular de seu ex-assessor, realizada na última quinta-feira (22).
A prisão de Tagliaferro, em 9 de maio de 2023, está na origem do vazamento das conversas entre subordinados de Moraes que estão sendo usadas pela Folha para municiar os bolsonaristas na ofensiva para um pedido de impeachment do ministro do STF.
Na entrevista, o ex-chefe do departamento de fake News do TSE - como ele mesmo define - afirma que "jamais teria coragem" de vazar os dados a Glenn Greenwald e à Folha por conhecer bem a "personalidade" do ministro e levanta suspeitas de que as conversas foram retiradas de seu celular nos seis dias em que o aparelho ficou apreendido na polícia paulista.
Indagado se "durante esses seis dias, qualquer pessoa que tido acesso ao telefone pode ter pego esses arquivos", Tagliaferro afirmou prontamente: "com certeza". E aponta outras contradições, além das que já foram levantadas pela Fórum.
"É estranho, porque no termo de liberação do telefone [assinado por ele no dia 15 de maio, quando pegou o celular na delegacia de Franco da Roca] está explícito: a partir daquele momento, eu seria o responsável pelos possíveis dados sigilosos que nele continham. O telefone foi declarado como pessoal. Como sabiam que meu telefone tinha dados sigilosos? Em toda a investigação de Caieiras - inquéritos, boletins de ocorrência, relatórios policiais - não há nada mencionado sobre o telefone. Mas quem apreendeu o celular?", indagou.
Tagliaferro afirma ainda que no iPhone "havia não só coisas do TSE, como documentos, fotos de crimes, fotos de processos civis" e que "há documentos sigilosos de vários tribunais".
Indagado de quem ele suspeita de ter vazado as mensagens, o ex-assessor de Moraes respondeu que "não posso afirmar que foi alguém da Polícia Civil. Não quero acusar ninguém. Eu não fui. Isso asseguro".
"Armação política"
Em uma das reportagens citada por Alexandre de Moraes na sentença - "Carla Zambelli e o celular de Tagliaferro, por onde teriam vazado as "denúncias" da Folha contra Moraes" -, a Fórum antecipou que as conversas foram vazadas do celular de Tagliaferro e que o aparelho ficou seis dias em posse da Polícia Civil comandada por Tarcísio de Freitas.
Outra questão levantada pela Fórum na reportagem é quem teria antecipado e fornecido fotos da prisão de Tagliaferro à deputada bolsonarista Carla Zambelli (PL-SP).
Antes de qualquer notícia na mídia, Carla Zambelli divulgou na rede X na manhã do dia 9 de maio que "o assessor de um homem poderoso no Brasil está na delegacia, porque tentou matar a esposa, dando vários tiros dentro de casa ontem à noite".
"A imprensa está querendo esconder, mas já temos gente nossa na porta da delegacia, esperando ele sair. Mais tarde darei notícias", diz a publicação da bolsonarista, claramente uma ilação em relação ao que de fato estava ocorrendo.
Às 9h03 do mesmo dia, Zambelli voltou à tona e publicou uma foto de Tagliaferro dentro do camburão, algemado.
"O xerife das fake News. A pergunta que não sei responder e já fiz um pedido de informações: ele ainda está trabalhando para o ministro Alexandre de Moraes?", indagou a deputada nas redes, incitando a horda de seguidores contra o ministro do STF.
A prisão, segundo Tagliaferro
Em seu depoimento à Polícia Federal, que consta na sentença de Moraes, Tagliaferro afirma que "devido ao despacho da arma de fogo, perdeu o voo" de Brasília para São Paulo.
SAIBA MAIS:
Leia a íntegra da decisão de Moraes com o depoimento de Tagliaferro à PF
Após cogitar ir para a casa de um amigo, devido à hora avançada que chegou a São Paulo, teria recebido uma ligação da ex-esposa, Carla Bottoni Tagliaferro, para ir para casa, em um condomínio em Caieiras.
Segundo ele, ao chegar em casa, ele subiu para o quarto para colocar a arma - uma Taurus TH9, 9mm - no cofre. Mas, que desistiu porque a esposa estava com a filha no quarto. Ele, então, diz ter descido e deixado a arma sobre a mesa da sala, longe do alcance da filha.
Tagliaferro, então, afirma que por volta das 22h18, o amigo Leandro Bizzarro Piorgelunde, que é escrivão da Polícia Civil e teria oferecido a casa para que ele dormisse aquela noite, chegou em sua casa.
"Carla foi quem atendeu à porta e falou algo no ouvido de Leandro, o que o declarante acredita que ela tenha avisado que arma estava sobre a mesa. O declarante aponta que alguns dias antes havia discutido com a esposa e afirmado que tinha um caso, o que gerou conflito entre eles", diz a oitiva.
Leandro teria entrado na casa e, após apertar a mão de Tagliaferro, "sem dizer nada foi em direção à arma". O ex-assessor então contou que "deu um tapa na arma, para tirar o objeto do alcance de Leandro, pois não sabia a intenção dele".
O ex-assessor de Moraes contou ainda que pegou a arma e subiu para o quarto, para colocá-la no cofre. Mas, Leandro não deixou e os dois "entraram em vias de fato, para alcançar a arma".
"Em certo momento, em razão desse conflito, houve um disparo", disse Tagliaferro à PF.
Segundo ele, a arma foi entregue pelo amigo, escrivão, à Polícia Militar que anunciou a prisão em flagrante. Ele teria entrado em desespero, voltou para casa e "afirmou que acabaria com a própria vida".
"O depoente foi contido, algemado e conduzido para a Delegacia de Polícia Civil de Caieiras", diz a oitiva da PF.
A imagem de Tagliaferro algemado no camburão, quando só haviam policiais e os envolvidos no conflito no local da ocorrência, foi vazada para Carla Zambelli, que criou a narrativa de que "o assessor de um homem poderoso no Brasil está na delegacia, porque tentou matar a esposa, dando vários tiros dentro de casa ontem à noite".
A mentira foi propagada nas redes sociais, principalmente entre a horda bolsonarista para expor o ex-assessor de Moraes.
No dia seguinte, 9 de maio de 2023, o assessor foi exonerado por Moraes “devido sua prisão em flagrante por violência doméstica e aguardará a rigorosa apuração dos fatos”.
À época, contrariado, Tagliaferro argumentou à polícia "que jamais colocaria a integridade da família em risco" e que o disparo da arma durante a agressão à esposa teria sido acidental.
Na entrevista à revista Oeste, Tagliaferro fala da exoneração ao ser indagado sobre "o sentimento do senhor com relação a Alexandre de Moraes, antes e depois dos diálogos que foram vazados".
"Sempre tive admiração e respeito pelo ministro. Ele é extremamente inteligente em questões relacionadas ao Direito e muitas das suas decisões foram sensatas. Falaram que fiquei magoado com ele por causa da minha prisão. Mas não me importei com a exoneração, porque não queria mais ficar ali. Queria voltar para a minha casa, para a minha família. Tenho duas filhas pequenas e senti muita falta delas. E não era a primeira vez que eu tinha pedido exoneração. Há até uma figurinha de WhatsApp, com a minha cara, dizendo assim: "vou pedir exoneração". Tiravam sarro da minha cara. E até ontem não tinha mágoa nenhuma do ministro. Mas, a forma como Alexandre de Moraes está agindo comigo... Sim, estou chateado. Virei desafeto dele", afirmou.
Tagliaferro, que foi ouvido como testemunha na investigação, reitera que era apenas um subordinado de Moraes, de quem cumpria ordens, e diz ter entrado em desespero com as denúncias vazias publicadas pela Folha de S.Paulo para incitar bolsonaristas.
"Quando comecei a ler as reportagens, entrei em desespero. Pensei: 'Pô, vão me culpar'. As pessoas ali se conhecem há anos. Eu, que fazia parte da equipe, estou sendo investigado. O cara que só cumpria ordens é o vilão".