A decisão judicial em que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ordena a apreensão do aparelho celular de Eduardo Tagliaferro, ex-assessor que comandava a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED), órgão subordinado à presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), aponta uma série de controversas e contradições sobre o iPhone apreendido pela polícia paulista, que atua sob o comando do governador bolsonarista Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos).
O documento, que teve o sigilo levantado pelo ministro, cita duas reportagens da Fórum que questionam justamente o papel do governador e de sua polícia no vazamento das mensagens mais de um ano após Tagliaferro ser preso por violência doméstica.
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As conversas vazadas para Gleen Greenwald e para a Folha - que mostram funcionários relatando ordens do chefe - foram usadas para reacender o discurso de ódio contra o ministro pela horda fascista e tem um objetivo claro: tirar Moraes do comando das investigações da tentativa de golpe e fazer com que Bolsonaro retome seus direitos políticos para sair candidato em 2026.
Na decisão, Moraes divulga trecho do depoimento de Tagliaferro à Polícia Federal sobre os detalhes da apreensão do aparelho celular, que ficou seis dias em poder da polícia civil de São Paulo.
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Alguns pontos da oitiva de Tagliaferro mostram contradições e controvérsias que precisam ser elucidadas sobre a ação da polícia de Tarcísio. Vamos a elas:
- Tagliaferro afirma que durante a prisão em flagrante, lavrada pela delegada Luciana Rafaelli Santini, "em momento algum foi falado a respeito de apreensão do celular, destaca que a delegada inclusive o viu manusear o aparelho". Segundo ele, na ocasião foi apreendida apenas sua arma, uma Taurus TH9, de 9mm.
- O ex-assessor de Moraes diz ainda que, às 7h do dia 9 de maio de 2023, antes de ser conduzido à audiência de custódia, entregou o aparelho ao cunhado, Celso Luiz de Oliveira, relatando que "desbloqueou, retirou a senha de acesso e lhe entregou o aparelho celular, para alguma necessidade da esposa e das filhas, como pagar contas, dentre outras eventualidade"
- Às 7h20, já dentro da viatura policial, "o policial civil que estava ao lado do motorista na viatura do GOE, aparentemente recebeu uma ligação ou mensagem e, em seguida, perguntou ao depoente onde estava o telefone celular dele". Tagliaferro respondeu que havia deixado o aparelho com o cunhado.
- Libertado, Tagliaferro diz que apenas à noite, no mesmo dia 9 de maio, conversou com o cunhado sobre o celular. Na ocasião, ele relata que os dois estariam em um shopping para comprar um aparelho novo, um iPhone 13.
- Só então, Celso teria dito que o "aparelho Iphone 12 pro max, que o depoente o havia passado antes de sair para audiência de custódia, havia sido apreendido".
- Segundo a versão do cunhado, descrita por Tagliaferro, um guarda municipal cedido à delegacia, que chegou em uma viatura caracterizada da Polícia Civil, esteve na casa dele para apreender o celular.
- Celso se dirigiu ao Distrito Policial e entregou o celular nas mãos do delegado José Luiz Antunes, que "disse a CELSO que o depoente era uma pessoa muito querida, ‘que todo mundo estava atrás desse aparelho, que havia chegado uma ordem do ministro Alexandre de Brasília, que esse telefone seria encaminhado a São Paulo e depois para Brasília'".
- No depoimento, Tagliaferro diz que no dia 15 de maio de 2023, na companhia do advogado, foi à delegacia de Caieiras onde "recebeu o aparelho Iphone 12 pro max, desligado, fora de qualquer invólucro, saco plástico, lacre etc". "O depoente testou o aparelho, acreditou que tudo funcionava e foi embora", diz a oitiva da PF.
- Um detalhe: antes de falar sobre a devolução do celular, Tagliaferro fez questão de salientar que "o termo de entrega e apreensão do aparelho celular está errado, pois nunca teve um Iphone 14, mas sim um Iphone 12 pro max de cor azul".
- Ele afirma ainda que "acreditou que o aparelho estava seguro, pois havia sido direcionado ao ministro [Alexandre de Moraes]". No entanto "dias depois perguntou ao advogado do caso sobre o aparelho, ao que foi respondido que poderia ser restituído, o que gerou surpresa ao depoente, pois acreditava que o aparelho estava em Brasília".
- Após receber o aparelho no dia 15, atestando que "tudo funcionava", Tagliaferro diz que no dia seguinte "tentou migrar todos os dados do Iphone 12 pro max para o aparelho novo, porém não conseguiu. O aparelho estava com bateria ruim, travando, não funcionou".
- Ele relata ainda que um "amigo lhe informou que o aparelho estava com problema na placa lógica, não valia apenas consertar" e, por esse motivo, "quebrou todo o aparelho, cerca de dois dias depois, e o jogou no lixo reciclável" na casa da mãe.
- A PF ainda insistiu na questão se ele teria passado a senha do celular para o cunhado, mas Tagliaferro reiterou que "chegou a dizer a senha para CELSO, mas ele não tinha sequer onde anotar, então o depoente retirou a senha de acesso do aparelho, de modo que seria facilmente manuseado".
- Por fim, Tagliaferro foi "questionado a quem ele atribui a divulgação do conteúdo do aparelho de telefonia celular dele, o iPhone 12 pro max, afirma que não quer acusar ninguém, que o aparelho ficou com o depoente, com o compadre Celso e depois com a Polícia Civil".
Tarcísio e Carla Zambelli
Em uma das reportagens citada por Alexandre de Moraes na sentença - "Carla Zambelli e o celular de Tagliaferro, por onde teriam vazado as "denúncias" da Folha contra Moraes" -, a Fórum antecipou que as conversas foram vazadas do celular de Tagliaferro e que o aparelho ficou seis dias em posse da Polícia Civil comandada por Tarcísio de Freitas.
Antes dos Boletins de Ocorrência virem à público, confirmando a apreensão e a devolução do aparelho, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), comandada pelo bolsonarista Guilherme Derrite, deu uma resposta evasiva à Fórum sobre o fato.
"O caso citado foi investigado por meio de inquérito policial instaurado pela Delegacia de Caieiras e relatado ao Poder Judiciário em maio de 2023. O autor foi solto no dia seguinte à sua prisão em audiência de custódia. Demais detalhes devem ser solicitados ao Poder Judiciário", disse a SSP no comunicado.
Outra questão levantada pela Fórum na reportagem é quem teria antecipado e fornecido fotos da prisão de Tagliaferro à deputada bolsonarista Carla Zambelli (PL-SP).
Antes de qualquer notícia na mídia, Carla Zambelli divulgou na rede X na manhã do dia 9 de maio que "o assessor de um homem poderoso no Brasil está na delegacia, porque tentou matar a esposa, dando vários tiros dentro de casa ontem à noite".
"A imprensa está querendo esconder, mas já temos gente nossa na porta da delegacia, esperando ele sair. Mais tarde darei notícias", diz a publicação da bolsonarista.
Às 9h03 do mesmo dia, Zambelli voltou à tona e publicou uma foto de Tagliaferro dentro do camburão, algemado.
"O xerife das fake News. A pergunta que não sei responder e já fiz um pedido de informações: ele ainda está trabalhando para o ministro Alexandre de Moraes?", indagou a deputada nas redes.
Controvérsias e contradições
Ao cumprir a decisão de Moraes para entregar o novo celular de Tagliaferro, na tarde desta quinta-feira (22), o advogado de defesa dele, Eduardo Kuntz, deu uma entrevista à imprensa antecipando a versão de que o antigo aparelho teria sido quebrado.
Ligado a Michel Temer (MDB), Kuntz tem trânsito no meio militar e faz a defesa, entre outros, de dois ex-assessores alvos de inquéritos envolvendo Jair Bolsonaro (PL): o coronel do Exército Marcelo Câmara, membro da organização criminosa descrita no inquérito dos atos golpistas; e o capitão de corveta Marcela da Silva Vieira, que foi preso nas investigações sobre o furto de joias da Presidência.
Chefe de gabinete adjunto de Documentação Histórica da Presidência – responsável, entre outros, pelas joias e presentes – durante o mandato de Bolsonaro, Marcelo Vieira foi nomeado para a função por Michel Temer (MDB) em 2017 e mantido por Bolsonaro no cargo.
Segundo Malu Gaspar, em sua coluna no jornal O Globo no dia 18 de maio de 2024, a decisão de Moraes de soltar Câmara – braço direito do tenente-coronel Mauro Cid – se deu após Tarcísio, Temer e o comandante do Exército, Tomás Paiva, procurarem o ministro dizendo que ele "precisava começar a 'calibrar' suas decisões para diminuir os ataques a ele mesmo e ao Supremo por parte da extrema direita".
A reunião para pressionar Moraes teria sido articulada justamente pelo advogado Eduardo Kuntz, que atua na defesa de Tagliaferro.
"Toda a pressão funcionou, e Moraes executou um recuo tático – que, além de operar uma guinada radical na posição do relator do caso Seif, também levou à soltura do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, no último dia 3 [de abril de 2024]", diz a jornalista d'O Globo.
Ainda segundo Malu Gaspar, "a soltura de Câmara também entrou no 'pacote' que envolve a absolvição do senador Jorge Seif (PL-SC) no processo que julga a sua cassação no TSE.
"Em troca, o governador descartou nomear um desafeto de Moraes para comandar a Procuradoria-Geral do Estado e colocou no posto um procurador aprovado pelo ministro", segue a jornalista, em referência à nomeação de Paulo Sergio Oliveira e Costa, ex-diretor da Escola Superior do MP-SP, para a Procuradoria-Geral do Estado. Terceiro na lista tríplice, o novo PGE teria forte ligação e foi indicado a Tarcísio por Moraes.
Conversas vazadas
Segundo a apuração da Fórum, o vazamento das conversas de assessores de Moraes para Glenn Greenwald e a Folha teria sido realizado na capital paulista.
Glenn teria procurado a Folha para dar mais credibilidade às "denúncias", que se tratam de um amontoado de conversas entre subordinados de Moraes. O próprio jornal cunhou a expressão "fora do rito" por não haver ilegalidade comprovada nas conversas já divulgadas.
Com a Folha, Glenn levou o caso ao Jornal Nacional e veículos ligados à própria Globo e ao PIG, o Partido da Imprensa Golpista.
A "denúncia também ganhou a adesão de Elon Musk para propagar a narrativa nas redes sociais. E o clã Bolsonaro aproveitou a narrativa vazia para incendiar a horda extremista, que se encontrava em brasa.
Com a mídia liberal ao lado, Glenn, Temer, Tarcísio e a horda bolsonarista sabem que não precisam de provas, mas de convicções – como já foi feito em casos emblemáticos, como do triplex que levou Lula à prisão ou das "pedaladas fiscais", que resultaram no golpe contra Dilma.
Ao que tudo indica, o conluio tem como objetivo colocar em marcha um novo golpe para eleger em 2026 um governo fascista neoliberal sem Bolsonaro.
Pressionado a retornar à escumalha golpista, Moraes reagiu e abriu a investigação para saber de onde, realmente, partiram os ataques.