ALEXANDRE DE MORAES

Moraes abre inquérito para apurar vazamento de mensagens que motivou "denúncia" da Folha

Eduardo Tagliaferro, ex-assessor do TSE e principal suspeito de ter vazado as conversas, foi intimado pela PF a prestar depoimento

O ministro Alexandre de Moraes.Créditos: Pedro Ladeira/Folhapress
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O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), abriu na última segunda-feira (19) um inquérito sigiloso para apurar o vazamento de mensagens de assessores do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ao seu gabinete que serviram se base para o jornal Folha de S. Paulo tentar fabricar um "escândalo" contra sua atuação frente a investigações contra bolsonaristas. 

Em matéria publicada na última semana, o periódico paulistano afirma que ministro agiu "fora do rito" ao requisitar relatórios da Corte eleitoral sobre investigados no inquérito das fake news com o objetivo de embasar suas decisões no Supremo. Apesar de a reportagem em momento algum utilizar a palavra "ilegal", fica claro, no texto, que o objetivo é sugerir que Moraes tivesse agido à margem da lei ou às escondidas para "perseguir" bolsonaristas.

A reportagem utiliza como base diálogos vazados por uma "fonte interna" entre assessores do gabinete de Moraes e assessores do TSE, tratando sobre informações e relatórios solicitados pelo ministro entre o final de 2022 e o início de 2023, quando Moraes presidia o TSE, sobre pessoas que estariam promovendo ataques à Justiça brasileira e divulgando notícias falsas no âmbito da tentativa de golpe de Estado registrada no Brasil naquele período. Juristas e outros ministros do STF, entretanto, afirmam que não há nada de ilegal na conduta de Moraes exposta pelo jornal paulistano. 

Nas conversas reveladas pela Folha um nome é recorrente: Eduardo Tagliaferro, engenheiro e perito de crimes cibernéticos de sua confiança, alçado por Moraes à chefia da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em agosto de 2022.

Tagliaferro vem sendo o considerado o principal suspeito de ter vazado as mensagens em questão. Após Moraes abrir o inquérito para apurar o vazamento das conversas, o ex-assessor foi intimado pela Polícia Federal (PF) a prestar depoimento nesta quinta-feira (22).

Tagliaferro foi detido por violência doméstica contra a esposa no dia 8 de maio de 2023 em Caieiras, região metropolitana de São Paulo. Durante a prisão, a arma com que ele havia disparado foi apreendida. O celular dele também ficou 6 dias sob a responsabilidade da polícia de Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos).

Como a Fórum antecipou, Moraes suspeita que ex-assessor vazou as conversas justamente para se vingar de sua demissão da AEED. No dia 9 de maio, um dia após a prisão, Tagliaferro foi exonerado por Moraes “devido sua prisão em flagrante por violência doméstica e aguardará a rigorosa apuração dos fatos”. Contrariado, Tagliaferro argumentou à polícia "que jamais colocaria a integridade da família em risco" e que o disparo da arma durante a agressão à esposa teria sido acidental. E nunca retornou à assessoria do TSE.

Ao jornal O Globo, Tagliaferro levantou suspeitas sobre o governo Tarcísio dizendo que "conforme consta em documentos oficiais, seu aparelho celular foi indevidamente apreendido, ficou em posse da Polícia Civil por seis dias e, quando devolvido, ele não acompanhou a dita deslacração do telefone”. Segundo o ex-assessor de Moraes outro fato importante, ainda desconhecido, é que seu celular foi apreendido em uma delegacia e devolvido em outra. 

Ele afirmou ainda que “conforme vem sendo dito pelo excelentíssimo ministro Alexandre e desembargadores com quem trabalhou, não se preocupa com o teor das mensagens que eventualmente tenham sido obtidas de seu telefone”.

CNJ rejeita investigar "denúncia" da Folha

A tentativa da Folha de S. Paulo de criar um escândalo contra o ministro Alexandre de Moraes não vem obtendo êxito. Nesta terça-feira (20), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) rejeitou um pedido feito pelo partido Novo para abrir uma investigação contra dois juízes auxiliares que produziram relatórios sobre investigados no inquérito das fake news para embasar decisões do ministro. 

O suposto “material explosivo” da reportagem são áudios e mensagens trocadas entre assessores. Um deles é o juiz instrutor Airton Vieira, principal assessor de Moraes no STF; o outro é Eduardo Tagliaferro, perito criminal que, à época, chefiava a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do TSE. O texto, nas entrelinhas e, principalmente, em seu título, sugere que a interação entre esses assessores, via WhatsApp, configuraria uma espécie de abuso das funções por Moraes.

Após a publicação da matéria, bolsonaristas passaram a pedir o impeachment de Alexandre de Moraes e a nulidade dos processos contra extremistas investigados pelo ministro. O partido Novo, por sua vez, entrou com pedido junto ao CNJ para que o órgão abrisse processo disciplinar contra Airton Vieira, o assessor de Moraes no STF, e Marco Antônio Martin Vargas, juiz auxiliar da presidência do TSE quando o ministro presidiu o órgão, alegando que ambos teriam cometido "abuso de autoridade" e violado os princípios constitucionais para a administração pública e para a magistratura. A legenda ainda solicitava punição aos dois juízes. 

O corregedor nacional de Justiça Luís Felipe Salomão, entretanto, rejeitou o pedido e decidiu arquivá-lo por considerar a "denúncia" improcedente. 

"A independência funcional do magistrado reverbera em garantia de prestação jurisdicional imparcial, em favor da sociedade (...), somente podendo ser questionada administrativamente quando demonstrado que, no caso concreto, houve atuação com parcialidade decorrente de má-fé, o que não se verifica neste caso", escreveu Salomão em sua decisão. 

Nada de ilegal

Além de relator do inquérito das fake news no STF, Moraes era, à época dos fatos apresentados na "denúncia" da Folha, presidente do TSE. Como presidente da Corte Eleitoral, por lei, o ministro tem poder de polícia para requisitar tais informações e encaminhá-las, em caso de indícios de crime, à seara criminal – no caso, o próprio STF, mais especificamente no âmbito do inquérito que relata.

Juristas e especialistas apontam que a “denúncia” da "Folha" não revela nada além do fato de que Alexandre de Moraes usou suas prerrogativas legais como ministro do STF e presidente do TSE. 

À Fórum, o advogado e cientista político Fernando Augusto Fernandes esclareceu que “não há nada de anormal” na conduta de Moraes descrita pela matéria da "Folha de São Paulo".

“O ministro Alexandre Moraes, como relator do inquérito no Supremo Tribunal Federal, tem poderes para requisitar informações de todo e qualquer órgão, inclusive eventuais quebras de sigilos e determinações de diligências. Não há nada de anormal ou ilegal nas determinações relatadas pela matéria. O título é que induz a acreditar que houve abuso: ‘usou TSE fora do rito’. Quando um ministro determina a quebra de sigilo bancário ou fiscal, se diria ‘usou banco ou a Receita fora do rito?’ Na verdade, as ordens do ministro foram dirigidas a outro setor público que tem o dever legal de cumprir as determinações do relator do inquérito. Portanto, não ‘usou’ o TSE, mas requisitou material e diligências, algo absolutamente normal”, explica.

Também em entrevista à Fórum, o advogado, professor e jurista Lenio Streck considera que o periódico paulistano fez “muito barulho por nada” e que o ministro Alexandre de Moraes simplesmente utilizou o poder de polícia que lhe é conferido como presidente do TSE.

"Nada houve de irregular. O presidente do TSE tem poder de polícia. Tem poder de investigação. Tudo isso é muito barulho por nada. O ministro do STF acumula funções. TSE e STF. Os jornalistas que estão lançando a 'bomba' estão fazendo muito barulho por nada. Estão prestando um serviço à extrema-direita", pontua Streck.

O advogado e professor Renato Ribeiro de Almeida, um dos maiores especialistas em Direito Eleitoral do país, explicou em conversa com a Fórum o que é o poder de polícia citado por Lenio Streck e reforçou que as ações de Moraes que a "Folha" trata como um suposto escândalo são totalmente lícitas.

"A questão básica é a seguinte: eu entendo que essa colocação, na verdade, é impertinente por parte de alguns veículos, porque o que o ministro Alexandre de Moraes fez foi utilizar o poder de polícia da Justiça Eleitoral. Para quem não está muito familiarizado com a Justiça Eleitoral, isso pode soar um pouco estranho, mas, diferentemente do que acontece na Justiça comum e também na seara criminal, na Justiça Eleitoral o Poder Judiciário eleitoral pode agir de ofício. Então, é o direito e inclusive o dever do ministro, do juiz eleitoral, seja lá na comarca, lá na zona eleitoral, seja em outro lugar, atuar e diligenciar em todas as situações que porventura apareçam", explica Almeida.

O advogado menciona, ainda, que a atuação de Moraes colocada em dúvida pelo periódico está amparada pela legislação eleitoral através da Lei 9.504, que confere ao TSE o poder de polícia para fazer tais requisições que embasam investigações.

"É por isso que o ministro fez essa manifestação [de solicitar relatórios sobre investigados ao TSE através de seus assessores]. Se ele não fizesse, aí sim ele estaria prevaricando. Então, o trabalho foi lícito, não há nenhuma irregularidade e é simplesmente a atividade do poder de polícia garantida pela lei eleitoral, Lei 9.504, que garante ao juízo essa possibilidade", ressalta o especialista.

O próprio Moraes, durante a abertura da sessão do STF desta quarta-feira (14), evocou o poder de polícia atribuído ao seu cargo no TSE ao comentar a matéria da "Folha". Segundo o ministro, a reportagem não o preocupa pois sabe que agiu dentro da legalidade. Ele desmente o jornal, inclusive, ao revelar que não foi procurado pelos repórteres antes da publicação do texto jornalístico. O ministro afirmou, ainda, que seria "esquizofrênico" se "auto-oficiar", uma vez que, além de ministro relator no STF do inquérito das fake news, era também o presidente do TSE.

"Seria esquizofrênico eu, como presidente do TSE, me auto-oficiar. Até porque, como presidente do TSE, no exercício do poder de polícia, eu tinha o poder, pela lei, de determinar a feitura dos relatórios. Hoje esse meio investigativo continua possível. Esse compartilhamento de provas, que é o meio admitido pelo STF, hoje, eu oficiaria a ministra Cármen [Lúcia], que é a presidente do TSE. Então eu, como presidente do TSE, determinava à assessoria que realizasse o relatório", declarou Moraes.

O advogado Renato Ribeiro de Almeida também chama atenção para o fato de que o Moraes do STF é o mesmo do TSE e destaca, ainda, que o ministro agiu dentro de suas competências, inclusive deixando a cargo da Justiça Eleitoral o que era de natureza eleitoral e com a Justiça Criminal o que era da esfera criminal.

"Ressalto que o ministro, o que era eleitoral, ele compartilhava com a Justiça Eleitoral, e o que era de natureza criminal, isso era mandado para o gabinete no STF. O que acontece é que existe a mesma pessoa física do Alexandre de Moraes, ocupando duas cadeiras, uma no TSE naquele momento e outra no STF, mas isso é uma discussão a respeito de quem ocupa o cargo no TSE. E a nossa legislação diz que três ministros do STF compõem o TSE, inclusive na presidência e na vice-presidência. Não existe, portanto, uma irregularidade em relação a isso", assevera Almeida.

"O que existe, a meu ver, é uma tentativa e uma tentativa equivocada [da Folha de S. Paulo] de desacreditar a Justiça Eleitoral, desacreditar, seja por qualquer razão, a atuação do ministro, que eu entendo que foi irretocável, inclusive nessa situação", finaliza o especialista.