SÃO PAULO

Bolsonaristas atropelam legislação e Justiça cancela privatização da Sabesp

A 4ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo suspendeu os efeitos da segunda votação da Câmara Municipal e a considerou uma “afronta à determinação judicial”

Cartaz exibido durante greve contra a privatização da Sabesp, do Metrô e da CPTM em São Paulo.Créditos: Marcelo Oliveira
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A 4ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo suspendeu nesta sexta-feira (3) os efeitos da segunda votação da Câmara Municipal, realizada ontem (2), que autorizavam a privatização da Sabesp. Segundo a juíza Celina Kiyomi Toyoshima, os bolsonaristas do legislativo paulistano atropelaram a legislação e colocaram a votação em pauta sem que as audiências públicas referentes – as mesmas que obrigavam uma segunda votação – fossem realizadas.

Em decisão anterior, a magistrada tinha determinado a realização de pelo menos quatro audiências públicas e a apresentação de um estudo de impacto orçamentário no âmbito de uma ação apresentada pelas bancadas do Psol e do PT.

Dessa vez, ela considerou que a Câmara Municipal “desrespeitou os princípios constitucionais que permeiam o processo legislativo” em “clara afronta à determinação judicial”. As fortes palavras estão na própria decisão da juíza, a qual a Revista Fórum teve acesso.

“Seja pelo fato de não terem sido feitas as audiências públicas necessárias, nem os estudos e laudos pertinentes, desrespeitando os princípios constitucionais que permeiam o processo legislativo, bem como por clara afronta à determinação judicial, não resta outra medida que não a suspensão dos efeitos da votação realizada na data de ontem, 02.05.2024, do Projeto de Lei nº 163/2024, bem como qualquer ato consequente posterior. Ainda, ressalto que em situações similares, considerando a complexidade e diversos impactos de projeto de lei sobre toda a população, o E. Tribunal de Justiça de São Paulo já determinou a anulação e/ou suspensão do processo legislativo, por falta das audiências e estudos necessários, protegendo os direitos da sociedade previstos constitucionalmente”, diz a decisão.

Histórico do trâmite

Em 16 de abril, o presidente da Câmara Municipal, Milton Leite (União Brasil), convocou uma reunião de líderes para anunciar a aceleração do processo de votação. Ele determinou que a matéria fosse votada na mesma data, de maneira simultânea, nas comissões em que precisava passar. A aprovação, como esperado, passou em todas as comissões, liberando o texto para ir a plenário no dia seguinte.

“Nós devemos levar a plenário amanhã a votação do projeto de lei de concessão da Sabesp. Faremos todas as votações nominais. O que for será nominal. A base terá que estar presente. Debate e votação amanhã”, disse Milton Leite durante a reunião com os líderes.

Ao todo, a cidade de São Paulo dispõe de 55 vereadores. Para aprovar o projeto era necessário que 28 desses vereadores votassem favoráveis. O prefeito Ricardo Nunes (MDB), que faz coro com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) na defesa da proposta, já alardeava na véspera ter maioria na Câmara Municipal para a aprovação da privatização da Sabesp. Inclusive, foi após uma reunião com o prefeito em 26 de fevereiro que Milton Leite decidiu analisar a aceleração da proposta.

Por outro lado, há vereadores que defendem o interesse público. Silvia Ferraro (Psol) é uma dessas vereadoras. Ao Brasil de Fato ela criticou a pressa dos governistas em aprovar o projeto e apontou que o correto, ou o “rito normal” em suas palavras, seria que o texto tramitasse em todas as comissões e passasse por audiências públicas para ser discutido pela sociedade. No entanto, nada disso aconteceu.

“Todas as grandes empresas interessadas em comprar ações da Sabesp estão se movimentando. O que existe é uma pressa das empresas interessadas em comprar as ações e o governador Tarcísio quer vender o mais rápido possível. Automaticamente, o Ricardo Nunes é pressionado”, avaliou a vereadora.

Nesse contexto, a privatização da Sabesp não é aprovada pela população. Segundo uma pesquisa Quaest divulgada em 15 de abril, 61% dos paulistanos são contrários à entrega da estatal. Em todo o estado, 52% dos eleitores são contra.

Mas isso não comoveu os parlamentares paulistas. Se na Câmara Municipal a privatização da Sabesp acabava de ser aprovada, o mesmo ocorreu na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) em dezembro de 2023, quando o projeto foi aprovado com 62 votos favoráveis e apenas 1 contrário, em sessão que ficou marcada pelo silenciamento da oposição mediante violência policial.

Na época, trabalhadores da própria Sabesp apoiados pelos Metroviários e por outras categorias, chegaram a organizar sucessivas greves contra a entrega da estatal para a iniciativa privada. O movimento popular pedia que fosse feito um plebiscito para decidir a questão, mas a proposta, obviamente, foi ignorada não só pelos parlamentares, como pela própria imprensa que funciona como assessoria do capital financeiro.

O texto foi apresentado à Alesp em 17 de outubro de 2023, semanas após os deputados estaduais receberem do governador Tarcísio mais de R$ 73 milhões em emendas parlamentares.

Mas a proposta ainda precisava da aprovação da Câmara Municipal de São Paulo para seguir adiante uma vez que quase 45% do faturamento da estatal é oriundo da capital paulista. E na primeira votação, em 17 de abril, o texto foi aprovado. Mas ainda faltava uma segunda votação na câmara paulista, que seria feita após a realização de quatro audiências públicas, para então o texto seguir para a sanção do governador e a privatização passar a valer.

Acontece que na última quinta-feira (2), a segunda votação foi realizada e a privatização aprovada por 37 votos contra 17, mas as audiências públicas – que caracterizam o debate com a sociedade civil – não haviam sido todas realizadas.