O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, agendou para o dia 6 de março, a próxima quarta-feira, a continuidade do julgamento sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio. O tema retorna à pauta do plenário do Supremo após pedido de vista do ministro André Mendonça, em agosto do ano passado.
O placar está 5 a 1 a favor da descriminalização e mais um voto favorável determina a formação de maioria para a decisão histórica do STF. O julgamento da constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) é baseado em um fato concreto de prisão por porte de 3g de maconha.
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Após votos de Cristiano Zanin e Rosa Weber na última sessão, em 24 de agosto, o ministro André Mendonça pediu vista para análise mais detalhada dos autos. O pedido do ministro teve prazo de 90 dias, até dezembro, mês em que ele devolveu ao plenário a ação, o que permitiu a retomada do julgamento.
O relator, ministro Gilmar Mendes, votou pela inconstitucionalidade do artigo, bem como pela descriminalização de todas as drogas ilícitas. Acompanharam seu voto os ministros Edson Facchin, Luis Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Rosa Weber.
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Por outro lado, o ministro Cristiano Zanin teve posicionamento divergente do relator e marcou o único voto contrário no plenário, em defesa da criminalização. Além de Mendonça, os ministros Cármen Lúcia, Luiz Fux e Nunes Marques votarão na próxima sessão.
A decisão firmada pela Corte será vista como um precedente e deverá guiar as decisões das instâncias inferiores da Justiça em casos semelhantes. O país aguarda, com atenção, a possibilidade de uma mudança significativa na abordagem jurídica das drogas.
Histórico da discussão
O Recurso Extraordinário (RE635659) está paralisado desde 2015, quando a discussão sobre a descriminalização foi interrompida para vista do então ministro Teori Zavascki, morto em 2017. Na época, três dos 11 ministros já haviam anunciado seus votos: o relator Gilmar Mendes votou a favor da descriminalização de todas as drogas; e os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso votaram a favor da descriminalização da maconha.
Em junho de 2019, o então líder do STF Dias Toffoli sinalizou interesse em incluir a pauta no calendário do julgamento, porém uma conversa com o ex-presidente Jair Bolsonaro e os ex-presidentes das Casas do Legislativo, Rodrigo Maia (Câmara) e Davi Alcolumbre (Senado), o fizeram retirar a discussão.
A discussão, motivada por uma ação apresentada pela Defensoria Pública de São Paulo na qual um homem foi condenado pelo porte de 3g de maconha, voltou a contestar a punição prevista pra quem "adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal".
Ao substituir Zavascki no STF, Alexandre de Moraes devolveu o pedido de vista ao plenário em 2018. Contudo, o julgamento foi colocado em pauta apenas no primeiro semestre deste ano, em duas oportunidades que foram reagendadas para agosto de 2023.
Os votos dos ministros
Desde a reabertura da avaliação do porte de drogas para uso pessoal, em 2 de agosto, os ministros do STF proferiram seus votos e análises pessoais acerca da ação. O placar, iniciado em 2015, já apontava 3 a 0 a favor da descriminalização.
Na ocasião, Gilmar Mendes considerou que o artigo 28 da Lei de Drogas é inconstitucional. Embora o caso em questão referia-se ao porte da maconha, o ministro votou pela descriminalização de todas as drogas ilícitas.
O magistrado tem o entendimento da necessidade de uma transição gradual entre as medidas punitivistas tomadas contra os usuários e a implementação de novas regras de prevenção e combate ao uso de drogas, por meio de sanções administrativas e cíveis, por exemplo.
Em 2015, os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso também votaram pela inconstitucionalidade do artigo, com ressalvas. Fachin afirmou que a descriminalização deveria ser feita "exclusivamente para o porte de maconha", enquanto Barroso decidiu não se manifestar sobre os demais tipos de drogas e propôs critérios mais flexíveis, permitindo a análise de juízes em audiência de custódia.
Alexandre de Moraes, em agosto de 2023, votou a favor da descriminalização mediante apresentação de critérios que definem se o portador é usuário ou traficante. O ministro apontou a necessidade de se definirem outros parâmetros, que não a divisão social ou racial que o agente policial possa se apoiar no momento da abordagem.
"Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente", disse Alexandre de Moraes.
Ao fim, Moraes votou pela descriminalização da maconha, mas não de outras drogas, acompanhando Barroso. Uma de suas falas viralizou nas redes sociais ao satirizar a comparação entre o uso pessoal de cigarros de maconha com o famoso narcotraficante Pablo Escobar.
"Quando o parágrafo 2 do artigo 28 diz: ‘o juiz atenderá a natureza e a quantidade da substância’, qual seria uma quantidade razoável tratando aqui da questão da maconha, eventualmente, dentro desses dados empíricos, para se analisar? Digo isso porque as situações radicais não deixam dúvida. Alguém preso com 100 kg de pasta de cocaína , ninguém acha que é usuário. Não há nariz para tanto. Assim como alguém pego com duas toneladas de maconha não é visto como usuário. Da mesma maneira, alguém pego com dois cigarrinhos de maconha não pode ser visto como o ‘novo Pablo Escobar’, um traficante perigoso", disse Moraes no voto.
Até o momento, o único voto contrário foi do ministro Cristiano Zanin, ex-advogado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Era esperado que o ministro votasse a favor da descriminalização. Segundo ele, a descriminalização contribuirá para agravar problemas de saúde relacionados ao vício.
Zanin, contudo, sugeriu pela fixação da quantidade máxima de 25 gramas para diferenciar um usuário de um traficante. A ministra Rosa Weber antecipou seu voto tendo em vista a sua aposentadoria e votou a favor, deixando o placar em 5 a 1 a favor da descriminalização.
Impactos para o usuário
Durante seu voto em 2015, Gilmar Mendes demonstrou sua rejeição à definição arbitrária de um delegado a respeito da quantidade de drogas portadas por uma pessoa ser definitiva no entendimento se o portador é traficante ou usuário.
Um levantamento da Agência Pública analisou mais de 4 mil sentenças de tráfico no estado de São Paulo e mostrou que, nos processos referentes a apreensões de até 10g de maconha, cocaína ou crack, 83,7% dos casos tinham os policiais como a única testemunha. Houve condenação em 59% deles, 15 pontos percentuais a mais do que em episódios com testemunhas civis.
Por isso, os ministros decidiram estabelecer parâmetros de distinção entre uso pessoal e tráfico. Barroso propôs limite de porte de maconha em 25g, mesma quantidade regulamentada por Portugal. De acordo com Fachin, no entanto, essas medidas deveriam ser tomadas pelo Executivo – até que o Congresso aprove lei sobre o assunto.
Em agosto de 2023, na retomada da discussão sobre a descriminalização, Alexandre de Moraes decidiu estabelecer uma regra para definir a quantidade da erva portada pelo indivíduo que determinaria uso pessoal ou tráfico.
Ele mencionou o que os demais ministros também já haviam apontado: o artigo 28 da Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006) não define critérios objetivos para diferenciar o consumo pessoal de tráfico. A definição dos critérios é deliberada pelo sistema de persecução penal, em órgãos como o Ministério Público, o Judiciário e as polícias.
Moraes propôs um valor limite de 60g para classificar o porte de usuário. A partir deste número, o portador seria considerado traficante. De acordo com uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 43% das apreensões de maconha levadas a processos penais de tráfico de drogas estariam no limite de 60g.
O estudo do Ipea sugere, ainda, que 14% dos processos por tráfico exclusivo de maconha foram apreendidos com quantidade igual ou inferior a 60 gramas. O porte proposto por Moraes reduziria os processos criminais pela metade.
O aumento no encarceramento
Em 2006, o Congresso Nacional aprovou a Lei de Drogas, vista como fator chave para o encarceramento em massa da população periférica, pobre e preta. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022 revela que a população carcerária é de 832.295 pessoas.
O ministro Moraes informou, em seu voto, que cerca de 25% dos presos no Brasil, 201 mil pessoas, respondem por tráfico de drogas. "A partir da nova lei, o antes classificado como usuário passou a ser classificado como pequeno traficante, que tem pena maior. Houve um aumento no encarceramento", disse ele.
Embora a Lei de Drogas tenha deixado de prever pena de prisão, ela manteve a criminalização e teve aplicação pouco produtiva. Entre 2007 e 2013, o número total de presos no Brasil cresceu 80%. "Seis anos após a aplicação da lei, se triplicou o número de presos por tráfico de entorpecentes no Brasil", informou Moraes, que relacionou o crescimento do encarceramento com o fortalecimento de facções criminosas.
"Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente."
Artigo 28 da Lei 11.343/2006
Moraes considerou a falta de critérios na qualificação como traficante ou usuário como “ uma injustiça muito grande". A ausência de discrições para diferenciar usuários de traficantes tem resultado no encarceramento de características semelhantes (etnia, raça, cor, localidade etc).
De acordo com dados do Tribunal de Justiça de São Paulo, pessoas negras são mais condenadas por tráfico de drogas do que brancas. 70.9% dos negros foram condenados após julgamento no estado, em comparação com 66,8% de brancos. O branco foi classificado como usuário 1,5 vezes mais do que o negro.
"A lei não é igual para todos."
Alexandre de Moraes, sobre a Guerra às Drogas em seu voto