LEI DO SILÊNCIO

O silêncio do cinismo: Todos os militares ouvidos pela PF se calaram sobre golpe

Generais, almirante, coronéis, entre outros oficiais, seguiram a cartilha corporativista e mundo paralelo no qual passaram toda a vida. “Nada a declarar”

Créditos: Divulgação/PF
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Há pouco mais de um ano e meio eles estavam todos reunidos ao redor de uma grande mesa com um brasão da República e a bandeira nacional ao fundo. Encabeçando o encontro, o então presidente Jair Bolsonaro (PL), que aberta e desesperadamente pedia para que “algo fosse feito”, porque “ninguém tem dúvidas de que a esquerda ganhará a eleição”. Começava então um desfile de crimes e trapaças, com gente mostrando minutas golpistas, planos para prender autoridades de outros poderes e chefe de Estado eleito, estratégia de infiltração de espiões ilegalmente nas campanhas “inimigas” e toda sorte de jogo sujo e banditismo.

A reunião foi gravada e encontrada pela Polícia Federal num computador do tenente-coronel Mauro Cesar Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o homem que ficou conhecido em todo o Brasil pelo escândalo das “joias das arábias” e que, por conta disso, acabou se tornando o delator que fez o mundo desabar na cabeça do mais estridente líder de extrema direita que o país já conheceu.

Agora, encurralados pelas autoridades da Polícia Federal, da Procuradoria-Geral da República e do Supremo Tribunal Federal, eles chegam aos locais de depoimento sisudos, com a cara fechada e (quem diria?) se calam diante dos delegados. Sim, eles se reservam ao direito de ficarem em silêncio.

Todos os militares intimados a depor nesta quinta-feira (22), numa convocação simultânea que visou evitar versões combinadas, tiveram o mesmo comportamento. Os generais Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, Mário Fernandes, ex-chefe-substituto da Secretaria-Geral da Presidência da República, Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa e candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro, o almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, o tenente-coronel do Exército Ronald Ferreira de Araújo Junior, os majores do Exército Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros e Rafael Martins Oliveira, antigos “assessores” do então presidente, num movimento mais preciso que um time de nado sincronizado, apenas “resolveram não falar”.

Quem fez o mesmo, mas é civil, foi o advogado Amauri Feres Saad, que seria o “autor intelectual” da minuta do golpe encontrada com ex-ministro Anderson Torres, levada a Bolsonaro por seu pupilo juvenil Filipe Martins, o rapazote que faz gestos supremacistas e que é dado a teorias conspiratórias do olavismo, corrente descabida baseada num mundo paralelo ditado pelo falecido astrólogo autodidata Olavo de Carvalho, um sujeito que passou a vida dizendo que o refrigerante Pepsi era adoçado com células de bebês abortados, e que negou a existência da Covid-19, embora tenha morrido por causa dela.

Filipe Martins, aliás, resolveu falar à Polícia Federal nesta quinta (22). Ele é um dos poucos presos pela tentativa de golpe de Estado e está detido em Brasília desde a operação Tempus Veritatis, desencadeada no início do mês, no dia 8, e que tornou público para o Brasil o banzé que era o governo Bolsonaro quando se viu à beira da derrota eleitoral. O “assessor para assuntos internacionais da Presidência” simplesmente negou ter apresentado a minuta do golpe a Bolsonaro e disse não ter qualquer relação com a redação do “documento”. Para a PF, a versão sequer é levada em consideração, tendo em vista o robusto conjunto probatório obtido até agora.

O estardalhaço com que se anunciou o depoimento coletivo desta quinta (22), assim como a expectativa em torno do “evento”, acabaram por frustrar os mais entusiasmados. Mas quem está dentro das investigações, e se mantém perto das descobertas feitas pela Polícia Federal no âmbito do inquérito que investiga a tentativa de golpe, garante: nada apaga as provas conseguidas até o momento e ficar em silêncio não ajudará em nada os investigados.