No início do mês, enquanto o núcleo duro do bolsonarismo era alvo da operação da Polícia Federal para investigar a tentativa de golpe de Estado em 2022, a viagem de Lula a Belo Horizonte indicava sinais importantes para o que se espreita na nova quadra política em que o destino de Bolsonaro, cada vez mais instado ao vale tudo, parece confundir-se com a Papuda. Se a possível prisão do ex-presidente, então representante da extrema-direita e o pai primevo da horda de entusiastas do golpe, será suficiente para implodir o campo extremista que subsiste, apesar de tudo, no caldo de cultura brasileiro, não é possível ainda prever.
Embora a sensação de que a vinda de Lula à capital mineira não tenha passado de um ato institucional do governo, com muitos números e pouca costura política nos bastidores - no jantar oferecido por Walfrido dos Mares Guia, o presidente teria escutado muito mais do que falado -, a relativa rendição de Zema a Lula reafirma um bolsonarismo em desencanto.
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Relativa, importante dizer, porque a reunião particular entre os dois, tão espetacularmente anunciada pela imprensa, não ocorreu como previsto. Zema, apesar de ter feito as honras da sala, sem descolar os ouvidos de Lula no ato público, permanece precisamente o mesmo devedor político de Bolsonaro. Não sobraram, porém, a exemplo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Claudio Castro (PL), afagos e alfinetes. Entre os gritos de “vacina, sim”, o clima tenso da retórica conciliatória foi o mote. Se Lula e Rodrigo Pacheco (PSD) não cederam no discurso da mediação política entre adversários, Zema tampouco. Mas as frestas de desentendimento entre o conteúdo político das falas ficaram expostas para todos.
Afagos e alfinetes
No palco, alguns ministros decidiram abrir suas falas em defesa da vacina - posição louvável, é claro -, o que não deixou de ser tentativas nada sutis de reprimenda à mistificação negacionista de Zema, numa referência ao vídeo que este gravou ao lado dos deputados federais por Minas, Nikolas Ferreira (PL) e Cleitinho Azevedo (Republicanos), para comemorar a não-obrigatoriedade da vacinação na rede estadual de ensino
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Por outro lado, se Zema se dizia ‘contente com a presença de Lula e Pacheco’ e com a necessidade da implementação do Regime de Recuperação Fiscal; por sua vez, Pacheco foi contundente em se posicionar contra a solução oferecida pelo Governo de Minas para a dívida de Minas com a União. O discurso de Zema, que abriu a reunião, seguido de Pacheco, deu o contorno político da situação: uma convivência pacífica entre disputas amargas. Enquanto o RRF segue como uma ideia fixa de Zema, Pacheco destaca a obsessão do governador e busca, apesar do governo estadual, uma solução própria em diálogo com o executivo.
Políticos avaliam ato do executivo em BH
O evento para divulgação de projetos de investimentos do executivo contou com vários políticos e lideranças sociais, principalmente aquelas do campo progressistas. Eram poucos (e camuflados) os apoiadores do governador. Em entrevista para REVISTA FÓRUM, alguns convidados avaliaram o evento.
Para Duda Salabert (PDT), uma das mais bem avaliadas candidatas à prefeitura de Belo Horizonte, o evento “foi importante porque trouxe um diagnóstico de como Minas estava parada nos últimos quatro anos por falta de investimentos do governo federal”. Reconhecendo a duplicação da BR-381 como algo fundamental, observa que também “houve um grande constrangimento ao ver o governador Romeu Zema não só vaiado mas corrigido pelos ministros sobre a importância de uma coisa óbvia, que é vacinar as crianças”. Ainda de acordo com Salabert, o governador saiu da reunião “completamente diferente”. Perguntada sobre a influência do presidente na disputa para prefeitura em outubro, reconheceu que Lula não tocou em momento algum sobre o assunto eleições municipais. “Mostra que o PT não definiu ainda sua posição. O PDT, diferentemente, já lançou sua pré-candidatura. Somos a pessoa do campo progressista que tem maior chances de vitória, inclusive no primeiro turno”, declarou. “Se o PT e sua federação quiserem somar conosco uma unidade, será bem-vindo”.
Segundo Macaé Evaristo (PT), deputada estadual de Minas, se destacaram os projetos no campo da educação. “O anúncio de novos institutos federais para Minas Gerais é muito importante”, diz ela. “Precisamos ter um olhar muito especial para juventude e a educação é o caminho e a chave do desenvolvimento”. Sobre uma unidade das forças progressistas para prefeitura, ela se diz otimista. “Vamos repetir em BH a construção de uma frente ampla democrática porque é fundamental para nossa cidade retomar a política com orçamento participativo, políticas de educação integral, políticas de cultura nas comunidade e de infraestrutura, como unidades habitacionais do Minha Casa Minha Vida”.
Rogério Corrêa, pré-candidato à prefeitura de Belo Horizonte pelo PT na cidade, o evento teria sido uma aula de democracia enquanto, declara ele, ‘“lá em Brasília tivemos uma aula de democracia de que não podemos dar anistia para golpistas e fascistas. Bolsonaro vai ter que entregar o passaporte e está no rumo à cadeia”. Sobre a corrida para prefeitura, “tenho as melhores condições para fazer isso. Tenho conversado com o PSOL, o PDT, com Bella e Duda”. Para Correia, “todas são pré-candidaturas pelas quais tenho maior respeito e que com certeza podem vir representar esse pleito de unificar contra o fascismo. Mas por ser vice-líder do presidente Lula, por estar mais antigo…como dizem, tem fila. Estou na fila há mais tempo. Fui vereador por dez anos. Acho que estou apto a pleitear e unir o campo. Também outros partidos estão em outras capitais contando com nosso apoio; no caso do Rio, com o PSD. Em SP com Boulos, do PSOL e em Belo Horizonte é importante que seja do PT. Nos três maiores Estados não é justo que a federação PT, PCdoB e PV não tenha candidato. É o que a presidente Gleisi tem falado”
Para o deputado federal e líder do PT na Câmara, Reginaldo Lopes (PT), o evento foi o reconhecimento de Minas enquanto estado da integração nacional. Sobre a disputa para prefeitura e uma possível união das forças progressistas na cidade, responde ele, “o mais importante em Belo Horizonte é não deixar a extrema-direita vencer as eleições”. Para ele, completa, “a grande disputa no Brasil e em Minas, em especial, é a prefeitura de BH. Temos de dialogar com todas as forças. Se não iniciarmos no primeiro turno, iniciaremos no segundo”.
No auditório do evento, não encontramos representantes do Novo. Procurados, Fred Papatella, presidente do diretório municipal do partido em Belo Horizonte, reconheceu a importância do encontro porque “Zema e Lula precisam focar nas entregas e para o que foram eleitos”. Segundo ele, “a vinda de Lula a BH estava gerando um incômodo em todos os belorizontinos, pois o prefeito Fuad foi um apoiador dele nas eleições”. Ainda para Papatella, “um gesto importantíssimo que ele [Lula] poderia dar é dar sequência no acordo de Mariana”.
Gabriel Azevedo (sem partido), presidente da Câmara Municipal de Belo Horizonte, não compareceu à reunião. Segundo fontes, não teria sido convidado oficialmente até a quinta-feira de manhã, 8, para quando o evento estava agendado.
Um triunvirato de órfãos
Zema, Bruno Engler e Nikolas Ferreira enfrentam dilemas em Minas.
Sem estratégia definida para se tornar o candidato da direita em 2026, Zema encontra-se perdido. Com o desgaste de Bolsonaro e sua prisão dada quase como certa pela cúpula bolsonarista, o governador segue na busca por cativar os órfãos do ex-presidente. O desafio, contudo, é fazer isso sem se associar completamente à identidade bolsonarista. Nesse particular, também terá de ser um feiticeiro e desarmar algumas varetas: se construir a partir do bolsonarismo, mas apesar dele. Não por outra razão, às vésperas do ato convocado por Bolsonaro na Avenida Paulista no próximo dia 25, ainda não confirmou presença. Encurralado e sem perspectiva definida, busca disputar o bolo da direita com outros herdeiros, fragmentando ainda mais sua base enquanto ainda deve se explicar ao STF sobre o decreto que dispensa a comprovação vacinal de alunos em Minas.
Os horizontes de Bruno Engler também estão nublados. Com núcleo duro bolsonarista na mira da PF e a decisão do STF que proíbe conversas entre Bolsonaro e Valdemar Costa Neto, presidente do PL, dificultando os acordos políticos para as eleições municipais, Engler terá de vencer, antes de tudo, as intempéries do seu próprio campo político. Com a estrutura do seu partido ruindo junto dos seus líderes, não é improvável que, o que era até então o pó de pirlimpimpim do fator-Bolsonaro, vire apenas pó na sua candidatura para prefeitura de Belo Horizonte.
Por outro lado, apesar de recentemente ter lançado um curso para candidatos a vereadores e prefeitos, com dicas de influência nas redes, Nikolas Ferreira parece desprezar que nem tudo funciona o tempo todo. Na posição de defesa de Bolsonaro, o deputado federal por Minas está na defensiva. Como samba de uma nota só, a narrativa de perseguição por parte do judiciário é sempre a mesma e, quanto mais desgastadas, menos efeito surge. O ato em favor de Bolsonaro, previsto inicialmente para ocorrer na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, foi cancelado por falta de adesão. Que Nikolas Ferreira não consiga, hoje, arregimentar sua base para demonstração de força no seu próprio Estado, é significativo do derretimento político para o qual nenhum módulo do seu curso parece ter resposta.