8 DE JANEIRO

Moraes confirma que militares das Forças Especiais do Exército atuaram com golpistas no 8/1

Fórum revelou em setembro a atuação dos chamados "kids pretos" sob a liderança do general Ridauto Lúcio Fernandes na invasão e depredação dos prédios do STF, Congresso Nacional e Palácio do Planalto.

General Ridauto Lúcio Fernandes e golpistas na invasão ao Planalto.Créditos: Reprodução / Joédson Alves Agência Brasil
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Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e um dos principais alvos dos extremistas apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) - que planejavam inclusive enforçá-lo na Praça dos Três Poderes -, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), confirmou que as investigações apontam a participação de membros das Forças Especiais do Exército, os chamados "kids pretos", nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.

Relator no STF do inquérito que investiga os golpistas, Moraes falou que há entre os golpistas cerca de "200 pessoas de preto", em relação aos militares.

"Houve uma falha dos órgãos de inteligência, não sabíamos exatamente quais as ramificações… Sabíamos que havia gente treinada invadindo, tanto que a Polícia Federal continua investigando em torno de 200 pessoas de preto, procedimento de Forças Especiais mesmo, pessoas treinadas", disse o ministro à Folha de S.Paulo nesta segunda-feira (8).

A infiltração dos chamados "kids pretos" entre os bolsonaristas no 8 de janeiro foi revelado pela Fórum em setembro. A revelação foi feita pelo servidor da PF que atuou na Abin e que já antecipou várias informações sobre os atos à Fórum.

Os militares estariam sob a batuta do general Ridauto Lúcio Fernandes, que foi exonerado do governo Bolsonaro, do cargo de diretor de Logística do Ministério da Saúde, em 31 de dezembro do ano passado, e que era integrante das chamadas Forças Especiais do Exército Brasileiro. 

“Esse general Ridauto é um ‘kid preto’ e a investigação já sabe, ou melhor, já tem uma trilha de quem seriam esses primeiros invasores. O ponto de partida para isso foi o fato de terem sido encontradas, à época mesmo, as granadas ‘bailarinas’. Chegaram a ser veiculadas na imprensa algumas imagens desse tipo de artefato, das ‘bailarinas’, que são usadas pelas Forças Especiais em operações de entrada e ingresso em locais", disse o servidor da PF à Fórum.

Ridauto é diretor de Segurança e Defesa do Instituto Sagres, organização não governamental (ONG) que reúne militares e tem como principal articulador o general Luiz Eduardo Rocha Paiva, ex-presidente do grupo Terrorismo Nunca Mais (Ternuma), a ONG do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra.

O Instituto Sagres, onde Ridauto atua, tem ligação estreita com outra ONG militar, o Instituto General Villas Bôas (IGVB), criado pelo ex-comandante do Exército que ameaçou o Supremo Tribunal Federal (STF) em 2018 durante julgamento do habeas corpus que daria a liberdade a Lula.

Em maio de 2022, as duas ONGs militares lançaram um documento de 93 páginas intitulado "Projeto de Nação", um plano para perpetuar as aspirações da caserna golpista e do bolsonarismo ao menos até 2035. 

Golpe militar

Na entrevista à Folha, Moraes afirmou ainda que ficou comprovado nas investigações o incitamento a um golpe militar.

"Sabíamos que havia, o que se comprovou depois, um incitamento a um golpe militar", disse o ministro, "à quebra do regime democrático, porque nos quartéis o que se discursava, inclusive no próprio dia 8, no dia 7, é que deveriam ocupar os palácios, o Congresso Nacional, o Supremo, para forçar uma [operação de] GLO [Garantia da Lei e da Ordem], para que o Exército fosse às ruas, e aí essas pessoas convencessem o Exército a dar um golpe militar".

Moraes e o decano, Gilmar Mendes, concordam que houve conivência e incentivo de integrantes das Forças Armadas com o acampamento golspita em frente ao QG do Exército em Brasília.

"A Corte Constitucional disse que não era ali o lugar de liberdade de reunião e manifestação. Eu entendo que também [quarteis] aqui não são esse espaço. Basta que a gente faça um exercício de contraprova. Imaginemos que o MST decidisse fazer um assentamento na frente dos quartéis. Qual seria a reação?", indaga Mendes.

O ministro ainda volta a apontar a responsabilidade de Bolsonaro na "indução" dos golpistas.

"Diz-se que a desmobilização dos acampamentos não foi feita de imediato porque havia ali muitos militares. A prisão no dia 8 também não ocorreu para não surpreender militares –é o que se diz. Então são fatos que certamente vão surgir de maneira muito clara nas investigações", afirmou. "E isso traz responsabilidade para todos os que admitiram. Eu suponho que isso foi admitido a partir de indução ou de autorização do próprio presidente da República", emendou o ministro.

Quem são os "kids pretos"

Um grupo de militares do Exército Brasileiro chamado no jargão da caserna de "kids pretos" teria dado início às invasões às sedes dos Três Poderes da República, agindo como inflitrados, em 8 de janeiro de 2023. As técnicas militares empregadas pelo grupo, cujos integrantes são ou foram parte do Comando de Forças Especiais, teriam facilitado a tentativa de golpe durante a invasão dos edifícios públicos por milhares de terroristas de extrema direita. Vários desses "kids pretos" são ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), um grupo com o qual o antigo chefe de Estado gostava de mostrar proximidade.

De acordo com o Exército, essas tropas das Forças Especiais (FE) existem desde 1957 e formam a elite de combate militar. Os "kids pretos" são cerca de 2,5 mil militares treinados para "operações de guerra irregular", o que engloba ações de sabotagem, planos de fuga e resgate rápidos, ou ainda missões confidenciais de alto risco, além de monitoramento e infiltração em grupos de guerrilhas urbanas, insurgência e movimentos de resistência.

Eles recebem essa denominação em alusão à balaclava de cor preta vestida pelo grupo nas suas atividades.  
De acordo com as investigações da 18ª fase da Operação Lesa Pátria da Polícia Federal, os "kids pretos" teriam se infiltrado no ato golpista de 8 de janeiro sob liderança do general Ridauto Lúcio Fernandes. O militar é ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde e ligado ao ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, além de ter sido comandante dos FE's no Comando de Operações Especiais, sediado em Goiânia (GO).