Um grupo de militares do Exército Brasileiro chamado no jargão da caserna de "kids pretos" teria dado início às invasões às sedes dos Três Poderes da República, agindo como inflitrados, em 8 de janeiro de 2023. As técnicas militares empregadas pelo grupo, cujos integrantes são ou foram parte do Comando de Forças Especiais, teriam facilitado a tentativa de golpe durante a invasão dos edifícios públicos por milhares de terroristas de extrema direita. Vários desses "kids pretos" são ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), um grupo com o qual o antigo chefe de Estado gostava de mostrar proximidade.
De acordo com o Exército, essas tropas das Forças Especiais (FE) existem desde 1957 e formam a elite de combate militar. Os "kids pretos" são cerca de 2,5 mil militares treinados para "operações de guerra irregular", o que engloba ações de sabotagem, planos de fuga e resgate rápidos, ou ainda missões confidenciais de alto risco, além de monitoramento e infiltração em grupos de guerrilhas urbanas, insurgência e movimentos de resistência.
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Eles recebem essa denominação em alusão à balaclava de cor preta vestida pelo grupo nas suas atividades. A suspeita de envolvimento dos "kids pretos" surgiu à partir da análise das imagens da invasão, que indicavam uma atuação profissional por pessoas com gorro preto que removeram e manusearam grades para benefício dos golpistas nas sedes do Congresso Nacional, Palácio do Planalto e Supremo Tribunal Federal (STF).
"O ponto de partida para isso foi o fato de terem sido encontradas, à época mesmo, as granadas ‘bailarinas’. Chegaram a ser veiculadas na imprensa algumas imagens desse tipo de artefato, das ‘bailarinas’, que são usadas pelas Forças Especiais em operações de entrada e ingresso em locais", explica um servidor da Polícia Federal (PF) à Fórum.
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O policial complementa a explicação sobre as táticas aplicadas: "O que também deu essa certeza sobre a participação das ‘FE’ foi a análise daquelas imagens que mostram como aqueles elementos da linha de frente utilizaram os gradis metálicos de proteção para abrir alas, digamos assim, para entrar nos prédios... Aquela também é uma técnica empregada pelos militares profissionais das Forças Especiais".
Os supostos "kids pretos" no 8 de janeiro
De acordo com as investigações da 18ª fase da Operação Lesa Pátria da Polícia Federal, os "kids pretos" teriam se infiltrado no ato golpista de 8 de janeiro sob liderança do general Ridauto Lúcio Fernandes. O militar é ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde e ligado ao ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, além de ter sido comandante dos FE's no Comando de Operações Especiais, sediado em Goiânia (GO).
Ridauto era diretor de Segurança e Defesa do Instituto Sagres, organização não governamental (ONG) de militares, que tem como principal articulador o general Luiz Eduardo Rocha Paiva, ex-presidente do grupo Terrorismo Nunca Mais (Ternuma), a ONG do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra.
O Instituto Sagres é ligada à ONG Instituto General Villas Bôas (IGVB), criada por Eduardo Villas Bôas, o militar golpista que foi assessor do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República durante o governo Bolsonaro. Ele tornou-se célebre após ameaçar o STF durante julgamento de uma concessão de habeas corpus ao então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2018.
Cabe ao Comando Militar do Planalto (CMP) e ao GSI a segurança do Palácio do Planalto. Em 8 de janeiro, a segurança estava a cargo de dois "kids pretos": o CMP era chefiado pelo general Gustavo Henrique Dutra de Menezes; e o GSI era liderado pelo general Gonçalves Dias – que pediu demissão após imagens exibirem sua inação na invasão.
Ligado ao ex-vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos), Villas Bôas reuniu-se com Bolsonaro duas vezes para tratativas de golpe após a eleição de Lula, em 2022. Em dezembro, os militares pressionaram a cúpula das Forças Armadas a participarem do golpe, sobretudo o general Marco Antônio Freire Gomes, então comandante do Exército.
Entre nomes conhecidos, estão os seguintes "kids pretos":
- Luiz Eduardo Ramos, general e ex-ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência;
- Mauro Cid, general ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, investigado por envolvimento em um esquema de fraude no cartão de vacina e no escândalo das joias sauditas, e alvo de inquérito sobre a organização de atos golpistas;
- Eduardo Pazzuelo, general e ex-ministro da Saúde durante a pandemia e responsável pelo colapso do abastecimento de oxigênio no Amazonas, em janeiro de 2021;
- Elcio Franco Filho, coronel e auxiliar de Pazzuelo a pasta da Saúde, onde ignorou os e-mails da Pfizer oferecendo vacinas ao governo brasileiro, autorizou compra de vacinas superfaturadas e discutiu a mobilização de 1,5 mil soldados para dar golpe à favor de Bolsonaro.