O avanço das investigações da Polícia Federal (PF) sobre a atuação dos chamados "kids pretos", agentes das Forças Especiais do Exército, nos atos golpistas de 8 de Janeiro pode tragar uma figura da caserna que vem há anos articulando movimentos para ascensão dos militares na política e nos bastidores do poder.
Presente nos atos golpistas e foco do inquérito no momento, o general da reserva Ridauto Lúcio Fernandes seria um dos principais responsáveis, segundo a linha de investigação, por infiltrar os "kids pretos" em meio aos golpistas na invasão das sedes do Supremo Tribunal Federal (STF), Congresso Nacional e Palácio do Planalto no dia 8 de janeiro.
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As Forças Especiais são a tropa de elite do Exército e atuam em missões confidencais de alto risco, como guerrilha urbana, insurgência e movimentos de resistência. O apelido de kid preto tem a ver com a cor do gorro usado por esses militares.
Conforme revelado pela fonte da PF à Fórum, diversas técnicas de guerrilha urbana treinadas pelas Forças Especiais foram usadas pelos golpistas na invasão dos prédios públicos.
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"O ponto de partida para isso foi o fato de terem sido encontradas, à época mesmo, as granadas ‘bailarinas’. Chegaram a ser veiculadas na imprensa algumas imagens desse tipo de artefato, das ‘bailarinas’, que são usadas pelas Forças Especiais em operações de entrada e ingresso em locais", disse o agente federal à Fórum.
Exonerado do governo Jair Bolsonaro (PL), do cargo de diretor de Logística do Ministério da Saúde, em 31 de dezembro do ano passado, Ridauto era integrante das Forças Especiais do Exército e diretor de Segurança e Defesa do Instituto Sagres, organização não governamental (ONG) que reúne militares e tem como principal articulador o general Luiz Eduardo Rocha Paiva, ex-presidente do grupo Terrorismo Nunca Mais (Ternuma), a ONG do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra.
O Instituto Sagres, onde Ridauto atua, tem ligação estreita com outra ONG militar, o Instituto General Villas Bôas (IGVB), criado pelo ex-comandante do Exército que ameaçou o Supremo Tribunal Federal (STF) em 2018 durante julgamento do habeas corpus que daria a liberdade a Lula.
Em maio de 2022, as duas ONGs militares lançaram um documento de 93 páginas intitulado "Projeto de Nação", um plano para perpetuar as aspirações da caserna golpista e do bolsonarismo ao menos até 2035.
De forma surreal, o "estudo" inicia com um "relatório de conjuntura", mostrando a "evolução política-estratégica" datado de setembro de 2035, quando impera "o chamado globalismo — movimento internacionalista cujo objetivo é determinar, dirigir e controlar as relações entre as nações e entre os próprios cidadãos, por meio de posições, atitudes, intervenções e imposições de caráter autoritário, porém disfarçados como socialmente corretos e necessários".
Entre as metas do plano estão o fim da obrigatoriedade do Sistema Único de Saúde (SUS) e a cobrança de mensalidades em universidades públicas até 2025.
O lançamento teve como estrelas Eduardo Villas Bôas e o então vice-presidente, general Hamilton Mourão. O ato foi realizado no auditório da Fundação Habitacional do Exército (FHE), entidade que gerencia a Associação de Poupança e Empréstimo (Poupex) dos militares, entidade que paga salários à esposa de Mourão e a uma filha e uma sobrinha de Villas Bôas.
Reunião com Bolsonaro
Um dos principais artífices do golpe de 2016, que tirou Dilma Rousseff (PT) da Presidência, Villas Bôas se reuniu pelo menos duas vezes com Bolsonaro enquanto a tentativa de golpe estava sendo tramada, após a vitória de Lula nas eleições de 2022.
O general esteve com o ex-presidente nos dias 7 e 20 de dezembro, quando militares golpistas pressionavam a cúpula das Forças Armadas, em especial o general Marco Antônio Freire Gomes, então comandante do Exército, que era classificado como "general melancia" pelos bolsonaristas - verde por fora e vermelho por dentro.
No fim de novembro, antes de se reunir com Bolsonaro, Villas Bôas retomou o golpismo na rede X (antigo Twitter), endossando uma carta apócrifa de supostos militares da ativa que circulava entre a horda bolsonarista.
Na publicação na rede, Villas Bôas sai em defesa dos generais classificados como "melancias" pelos bolsonaristas, entre eles o atual comandante do Exército, general Tomás Ribeiro Paiva, que substituiu Júlio Cesar Arruda após o 8 de janeiro.
Esposa do general, Maria Aparecida Villas Bôas esteve no acampamento em frente ao QG do Exército e tirou fotos com golpistas.
Ticiana Villas Bôas
Enquanto Villas Bôas se encontrava com Bolsonaro, a filha do general, Ticiana Villas Bôas, articulava com a esposa de Mauro Cid, Gabriela Cid, ações de apoio ao golpe.
Segundo Gabriela Cid, foi o próprio Bolsonaro quem queria que os seus apoiadores se dirigissem à capital do país em ação que buscava mantê-lo no poder ao contrário da vontade popular expressa nas eleições.
A dupla estava revoltada com o resultado das eleições e buscava narrativas e estratégias que pudessem viabilizar um golpe de estado. Era comum acordo que os manifestantes não deveriam reivindicar uma ‘intervenção federal’. Em troca, o correto seria exigir o impeachment de Alexandre de Moraes.
“Temos que pedir novas eleições com voto impresso, nada de intervenção federal. Temos que exigir novas eleições com voto impresso. Estamos diante de um momento tenso onde temos que pressionar o Congresso. Agora!”, escreveu Gabriela Cid. Ticiana Villas-Bôas respondeu: “Ou isso, ou a queda do Moraes”.
A seguir, ambas concordam que era preciso manter as hordas bolsonaristas mobilizadas nas ruas. É nesse contexto que Ticiana Villas-Bôas propõe que o próprio Exército oriente uma paralisação dos caminhoneiros. “Os caminhoneiros têm que parar sem obstruir [as rodovias]. E alguém precisa articular isso com eles e os manifestantes. Alguém tinha que falar com eles”, escreve.
“Pois é”, responde Gabriela Cid. E emenda nas mensagens seguintes aquilo que pode incriminar o ex-presidente. Ela diz com todas as letras que “o presidente pediu” que alguém orientasse os caminhoneiros e que seus apoiadores fossem para a capital.
“Foi o que pediu o presidente. E acho que todos que podem têm que vir a Brasília. Invadir Brasília como no 7 de setembro e dessa o presidente com toda essa força agirá”, escreveu.