No dia 28 de agosto, a Lei de Anistia 6.683/79 completa 44 anos. Uma lei comemorada por devolver a liberdade a perseguidos pela ditadura de 1964, mas frustrante por reger dubiedade favorável à impunidade de agentes da própria repressão, cujos delitos jamais poderiam ter sido perdoados, por serem comuns, pior, por serem lesa-humanidade! Sequestros, torturas, prisões arbitrárias, execuções, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres... Crimes afrontosos a qualquer tratado internacional de proteção aos direitos humanos, inclusive considerados imprescritíveis pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, alguns deles continuados, até hoje não elucidados.
Autoanistia em forma de impunidade que custou ao Brasil condenações na Corte Interamericana de Direitos Humanos (casos Guerrilha do Araguaia e Vladimir Herzog) por incompatibilidade direta com a Convenção Americana de Direitos Humanos, e, por isso mesmo, suficientes à condenação, aqui e ali, de facínoras como Brilhante Ustra e Cláudio Guerra, embora sem efeito prático de cadeia, o primeiro porque já morreu e o segundo por recorrer em liberdade.
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Verdade seja dita! Muito faltou para a Lei de 1979 constituir-se como modelo para uma justiça de transição digna. Ideal que fosse reinterpretada em convergência com os diplomas internacionais de direitos humanos impedindo anistia aos verdugos. Porém, se ainda não é possível compreendê-la assim, que pelo menos sirva para reforçar o grito de inaceitação à apologia ao regime de exceção. Que ajude a consolidar uma memória sobre o que não pode acontecer para transformar instituições malsucedidas, que replicam no cotidiano as violências herdadas da ditadura, em instrumentos de cidadania. Se tivéssemos ajustado este bê-á-bá lá atrás, ações golpistas como as do último 8 de janeiro não teriam havido.
A propósito, quem defende que a interpretação da Lei de Anistia acertou ao beneficiar os algozes da ditadura, costuma dizer que os que contra a ela se levantaram agiram, de igual maneira, criminosamente. Aí, sim, se vê outra desonestidade, de revitimização do perseguido. Afinal, os que resistiram, o fizeram para defender o retorno da democracia. Além disso, já foram mais do que punidos pelo regime de terror, basta ver o número de sequestros, torturas, prisões ilegais e mortes.
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Marcelo Uchôa. Conselheiro da Comissão Nacional de Anistia. Presidente da Comissão da Memória, Verdade, Justiça e Defesa da Democracia da OAB/CE. Professor da UNIFOR. Membro da ABJD e Grupo Prerrogativas.