O Brasil aguardava ansioso pela sessão do Supremo Tribunal Federal desta quinta-feira (24) que poderia formar maioria a favor da descriminalização do porte de maconha para consumo pessoal, uma pauta que interessa a uma ampla gama de brasileiros, usuários ou não, especialmente pelos efeitos que pode oferecer na segurança pública e no sistema penitenciário.
Mas o decepcionante voto de Cristiano Zanin, o novo ministro indicado por Lula, além de adiar a histórica decisão, reacendeu um forte debate nas redes sociais e ambientes de militância acerca da necessidade de haver mais diversidade nas cortes superiores.
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Este já é o quarto voto conservador de Zanin; será a segunda decepção de Lula no Supremo?
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A primeira decepção
Nos seus primeiros mandatos, entre 2003 e 2010, Lula indicou dois ministros ao STF: Cármen Lúcia e Dias Toffoli. Anos mais tarde, na condição de ex-presidente, o petista não escondeu sua mágoa em relação a atuação de Toffoli quando esteve preso pela Lava Jato em Curitiba, entre 2018 e 2019.
Indicado pelo petista ao STF e anteriormente à Advocacia-Geral da União, Toffoli não autorizou Lula a ir ao velório de seu irmão, Genival Inácio da Silva, o Vavá. Como uma tentativa de contrapeso, chegou a autorizar que Lula encontrasse familiares numa unidade militar do ABC Paulista e permitiu que o corpo do irmão fosse levado para o local. Mas a decisão saiu muito tarde e não havia mais tempo para o petista se despedir.
Em maio de 2018, o ministro também votou pela manutenção da prisão de Lula. Posteriormente Toffoli chegou a pedir perdão ao presidente, sobretudo em relação ao episódio do velório, mas Lula, apesar de perdoar oficialmente, jamais teria esquecido daquilo que passou em seu interior.
Zanin é alvo de críticas
Agora é Zanin, recentemente indicado por Lula e ex-advogado do presidente que o ajudou a provar a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro e dos procuradores da Lava Jato, que é questionado pela esquerda por conta de suas decisões conservadoras.
Para negar a descriminalização do porte de maconha nesta quinta-feira (24), Zanin usou o termo “combate às drogas” como mote para a justificativa do seu voto. A expressão é completamente ultrapassada nos debates que permeiam a pauta. Não se combatem drogas, mas o tráfico e outros grupos que se beneficiam do comércio ilegal. Além disso, o novo ministro ainda defendeu o estabelecimento de quantia ínfima, de apenas 25g, para demarcar até qual ponto uma pessoa pode ser considerada como um usuário.
A sessão terminou apontando o placar de 5 a 1 para a descriminalização e acabou adiada, ainda sem data para ser retomada, após pedido de vista do ministro André Mendonça. Resta um voto para que o Supremo forme maioria. A negativa de Zanin, mais do que surpreender quem esperava um voto progressista e adiar a histórica decisão, reacendeu anseios por mais diversidade nas supremas cortes. A bolha de esquerda, petista ou não, tem se juntado para taxá-lo como conservador.
“Essa culpa eu não carrego. Sempre fui contra a indicação de Zanin pro STF. Eu queria uma mulher negra de esquerda”, declarou a professora e influenciadora digital feminista Lola Aronovich.
O discurso de Lola Aronovich está respaldado por um recente artigo da Coalizão Nacional de Mulheres, intitulado ‘Por que precisamos de mulheres nas cortes superiores’, e publicado aqui na Revista Fórum.
“Mulheres possuem experiências diferentes dos homens em suas vivências. Essa expertise precisa ser contemplada na aplicação das leis que irão reger a todos, homens e mulheres. Por mais empático que um homem possa ser, ele não consegue estabelecer uma completa conexão com um conhecimento de vida que nunca perpassou a sua convivência em sociedade. Isso faz muita diferença no momento de analisar situações práticas e hipotéticas”, diz um trecho.
Na mesma linha foi o comentário do produtor musical Daniel Ganjaman, famoso não apenas pelo seu trabalho, mas pela militância em torno da legalização da maconha.
“Fui contra a indicação do Zanin e tomei muita porrada por isso. Olha aí! Críticas fundamentadas não são antipetismo ou golpismo, mas sim parte da construção de um governo popular”, declarou.
Os outros três votos reacionários de Zanin
Negou o princípio da insignificância
O primeiro exemplo veio de uma decisão de Zanin, que votou para manter a condenação de dois homens que furtaram um macaco hidráulico, dois galões para combustível e uma garrafa de óleo diesel, avaliados em R$ 100.
A Defensoria Pública da União, em defesa dos dois homens, pediu o reconhecimento do princípio da insignificância, visto que os itens roubados têm baixo valor e, posteriormente, foram recuperados pela vítima.
O princípio da insignificância é um mecanismo jurídico cujo objetivo é não penalizar furtos de baixo valor ou famélicos, quando alguém furta comida, medicamentos ou qualquer outro item indispensável para a sobrevivência.
Porém, Zanin recusou o princípio da insignificância e votou por manter a condenação dos dois homens.
Um dos homens foi condenado à pena de 10 meses e 20 dias, em regime aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos. O outro foi condenado a pena de 2 anos e 26 dias de reclusão em regime semiaberto. Neste caso, ainda faltam os votos de quatro ministros, uma vez que está sendo julgado no plenário virtual do STF.
LGBTfobia e injúria racial
Nesta segunda-feira (21), o STF, por meio do plenário virtual, concluiu a votação do julgamento que visava equiparar o crime de homofobia e transfobia ao de injúria racial.
Por 9 votos a 1, a Corte reconheceu que atos de homofobia e transfobia podem ser enquadrados no crime de injúria racial.
Em ação movida pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), a organização argumenta que, ao equiparar as ofensas individuais ao crime de injúria racial, atos de LGBTfobia poderão ser punidos de forma mais severa.
Dos 11 ministros, 9 foram favoráveis; o ministro André Mendonça se declarou impedido de votar, e Zanin votou contra a equiparação da LGBTfobia ao crime de injúria racial.
Escritórios, cônjuge e parente
Outro voto do ministro Zanin que não foi bem recebido diz respeito à derrubada de uma norma que impedia magistrados de julgarem casos em que qualquer das partes seja cliente dos escritórios de seus cônjuges, parceiros ou familiares.
Fachin, Rosa Weber e Barroso votaram para manter a norma. Gilmar Mendes, Luiz Fux e Zanin votaram para derrubar a norma.