TRÁFICO DE JOIAS

Sem anistia: PF implode organização criminosa de Bolsonaro e militares

Certo da impunidade, como nos tempos da ditadura, Bolsonaro montou uma OrCrim, segundo a PF, para juntamente com militares traficar e vender joias recebidas pelo governo brasileiro em missões oficiais

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Flickr / PR / Agência Senado / Exército

No dia 28 de agosto de 1979, quando o general do Exército João Baptista de Oliveira Figueiredo sancionou a chamada Lei da Anistia, escondendo os crimes da ditadura militar, ele condenou o Brasil a reviver, 50 anos depois, novos dias sombrios, quando Jair Bolsonaro (PL) foi alçado ao poder e, com quadros das Forças Armadas, aventurou-se a tramar um novo golpe contra a democracia.

Por covardia, Bolsonaro não deu a ordem para que a empreitada da nova ditadura fosse desencadeada. Preferiu fugir para os Estados Unidos, levando com ele parte da tropa de militares que o adulavam nos tempos de Planalto.

Na mala, levada dentro do avião presidencial naquele fatídico dia 30 de dezembro de 2022, o ex-presidente traficou joias recebidas em viagens oficiais ao Oriente Médio para serem negociadas na terra do Tio Sam bem ao estilo do garimpo ilegal, atividade à qual já se dedicou e que defendeu ferrenhamente durante seu governo.

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No entanto, um grito ressoou dois dias depois na Esplanada dos Ministérios durante a posse para o terceiro mandato do governo democrático e popular do presidente Lula: "Sem anistia!"

Nesta sexta-feira (11), quando a Polícia Federal (PF), autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), deflagrou a Operação Lucas 12:2 – do versículo bíblico que diz que "não há nada escondido que não venha a ser descoberto, ou oculto que não venha a ser conhecido" –, o eco daquele mesmo grito pôde ser ouvido outra vez.

A OrCrim de Bolsonaro

A operação revelou uma das maiores mentiras ocultadas pela ditadura: a de que não havia corrupção no regime militar. Dessa vez, tratou a associação entre Jair Bolsonaro com o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, e o pai dele, o general da reserva Mauro Cesar Lourena Cid, como deve ser chamada: uma OrCrim, a sigla para organização criminosa.

Bolsonaro e o tenente-coronel Mauro Cid, durante os 'anos dourados' do mandato presidencial. Créditos: Alan Santos/PR

Durante o governo Bolsonaro, o general ocupou cargo federal ligado à Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) em Miami (EUA), onde mora e negociou as joias.

A OrCrim inclui ainda o advogado de Bolsonaro, Frederick Wassef – o mesmo que escondeu em seu sítio Fabrício Queiroz, o pivô do esquema de corrupção das "rachadinhas" do clã –, e o tenente do Exército Osmar Crivelatti, ex-coordenador administrativo da Ajudância de Ordens da Presidência da República, subordinado a Mauro Cid.

Frederick Wassef, advogado de Bolsonaro. Foto: Agência Brasil.

Segundo a investigação, o grupo criminoso negociou as joias traficadas por Bolsonaro nos EUA. Amigo do ex-presidente desde que estudaram juntos na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), ainda durante a ditadura, o general – tratado como "camelô de luxo" pela PF – concretizou as vendas e teria dito textualmente, segundo a PF, que "é preciso passar dinheiro a Bolsonaro”.

Nas redes, o ministro da Justiça, Flávio Dino – que teve o pai, Sálvio, preso em 1964 por ser "comunista" –, expôs a desfaçatez de Bolsonaro e dos militares, que agiram de forma criminosa contando com o verniz da impunidade dos tempos da ditadura.

General Mauro Cesar Loureira Cid, amigo de Bolsonaro investigado pela Polícia FederalCréditos: Roberto Oliveira/Alesp

"Há muitos estudos que mostram que compra e venda de joias é um caminho clássico de corrupção e lavagem de dinheiro. Muitos veem como um crime 'seguro', que ficará escondido para sempre. Por isso, é essencial sempre investigar o assunto, quando há indícios de ilegalidades", escreveu o ministro.

Levar em "cash"

A investigação conduzida pela Polícia Federal, em um desdobramento do inquérito sobre a provável falsificação de atestados de vacinação contra a covid-19 por Mauro Cid, revela detalhes sórdidos da atuação da organização criminosa, que teria obtido mais de R$ 1 milhão com a venda de presentes dados por países do Oriente Médio ao governo brasileiro durante as viagens de Jair Bolsonaro à região.

Os mandados de busca e apreensão realizados em endereços dos quatro investigados em Brasília, São Paulo e Niterói (RJ) devem jogar ainda mais luz ao obscuro porão onde atuava a quadrilha.

Em mensagens com o coronel da reserva do Exército Marcelo Costa Câmara – que já havia sido alvo de ação da PF em maio por coordenar uma espécie de "Abin paralela" –, Mauro Cid revela a preferência de Bolsonaro em receber tudo em "cash", ou dinheiro vivo, como é feito por mafiosos e por grupos de milicianos, alvos de condecorações do clã.

"Tem vinte e cinco mil dólares com meu pai. Eu estava vendo o que, que era melhor fazer com esse dinheiro levar em ‘cash’ (dinheiro vivo) aí. Meu pai estava querendo inclusive ir aí falar com o presidente (...). E aí ele poderia levar. Entregaria em mãos. Mas também pode depositar na conta (...). Eu acho que quanto menos movimentação em conta, melhor né? (...)", disse Cid na mensagem, de 18 de janeiro deste ano, apreendida pela PF.

Na continuação da conversa, Cid revela a origem do dinheiro: venda de peças com partes em ouro, segundo a PF que foram dadas como presente ao governo brasileiro e foram roubadas pela OrCrim de Bolsonaro.

"Aquelas duas peças que eu trouxe do Brasil: aquele navio e aquela árvore; elas não são de ouro. Elas têm partes de ouro, mas não são todas de ouro (...). Então eu não estou conseguindo vender. Tem um cara aqui que pediu para dar uma olhada mais detalhada para ver o quanto pode ofertar (...), eu preciso deixar a peça lá (...) pra ele poder dar o orçamento. Então eu vou fazer isso, vou deixar a peça com ele hoje (...)", diz Cid na mensagem.

Rolex e os rastros dos crimes

Na conversa, Cid ainda relata à Câmara que um "relógio" levado por Bolsonaro iria a leilão. "O relógio aquele outro kit lá vai, vai, vai pro dia 7 de fevereiro, vai pra leilão. Aí vamos ver quanto que vão dar (...)", diz o tenente-coronel.

Segundo a Polícia Federal, um dos itens vendidos pela organização criminosa foi um relógio Rolex recebido por Bolsonaro durante viagem à Arábia Saudita e ao Catar.

O Rolex e um outro relógio de luxo da marca Patek Philippe foram traficados pelo general Mauro Lourena Cid por US$ 68 mil. No entanto, o roubo do relógio veio à tona em março deste ano e a OrCrim teve que recomprar o objeto.

Alertado pelo ex-secretário de Comunicação da Presidência Fabio Wajngarten – que hoje faz parte da defesa de Bolsonaro –, Frederick Wassef desembolsou um valor maior que o da venda para reaver o Rolex, que foi devolvido ao Tribunal de Contas da União (TCU).

O objeto foi levado ao TCU por Osmar Crivelatti, militar que atuava como uma espécie de governante da vida pessoal de Bolsonaro tomando conta inclusive da casa no condomínio Vivendas da Barra, no Rio de Janeiro.

Reflexos da ditadura

A investigação da Polícia Federal ainda revela detalhes pitorescos e risíveis da atuação da OrCrim, que sinalizam que Bolsonaro e seus militares acreditavam que sairiam impunes dos crimes em série.

Além da recompra do Rolex por um valor acima do que foi vendido, um reflexo da foto tirada pelo celular colocou o general Cid na cena do crime.

Ao fotografar uma caixa com joias para ser avaliada por lojas especializadas, o chefe do clã Cid, que aprendeu com Bolsonaro as técnicas de inteligência militar na Aman, apareceu no reflexo, o que levou os investigadores a seguirem seu rastro e o colocou no centro das investigações.

A Operação Lucas 12:2, no entanto, é apenas parte do que está sendo descoberto sobre a relação criminosa de Bolsonaro com uma parcela dos militares, que embarcaram na aventura fascista pelo saudosismo da ditadura militar.

No entanto, não há nada oculto que não venha a ser conhecido – como diz o versículo bíblico – e, diferentemente do que foi decretado por Figueiredo em 1979, desta vez, ao que tudo indica, não haverá anistia.