Desde a última segunda-feira (24) uma série de novos detalhes a respeito do assassinato de Marielle Franco vêm sendo revelados a partir da delação premiada de Élcio de Queiroz, que compôs a quadrilha que executou a vereadora em 14 de março de 2018.
Além dele, também agiram o ex-bombeiro Maxwell Simões e os ex-PMs Edimilson Macalé e Ronnie Lessa, que à época era vizinho de Jair Bolsonaro no condomínio Vivendas da Barra. Mas as suspeitas de que o assassinato de Marielle tenha sido um crime político vão muito além das relações que o ex-presidente possa ter tido com os acusados e estão ancoradas, sobretudo, nas denúncias que a vereadora fazia.
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Em 24 de fevereiro de 2018, cerca de três semanas antes do seu assassinato, o jornalista Gabriel Brito publicou no Correio da Cidadania uma extensa entrevista com Marielle. Uma das últimas publicadas com a vereadora em vida. Naquele momento, o Rio de Janeiro vivia uma crise generalizada que se expressava com gravidade, entre outras áreas, na segurança pública. Marielle analisava justamente esse momento, à luz da intervenção federal que levou o Exército para comunidades daquele Estado.
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Para Marielle, naqueles tempos de Michel Temer na presidência e Pezão no governo estadual, o Estado do Rio de Janeiro não investia nos profissionais de segurança e a presença dos militares trazia prejuízos tanto no dia a dia da população como no âmbito da gestão pública.
“Já senti na prática o que é dormir e acordar com barulho de tanque, revistas e diversas violações de direitos, o que nos faz, favelados e faveladas, ter muita apreensão. Não só pela perspectiva do debate político e teórico. Na Maré, que é minha casa, meu lugar de vida, foram 14 meses de ocupação da Força Nacional na época das Olimpíadas. Despreparo, violação e violência foram a rotina (…) A população da Maré mais uma vez se vê sob o jugo de muitos fuzis, seja das Forças Armadas, da PM ou do crime. É um elemento que vulnerabiliza quem mora lá. E a política pública de segurança, ao invés de pensar numa perspectiva inclusiva, cidadã, com alternativas ao varejo da droga, infelizmente chega com a mão forte do general. Por isso vejo tudo com muito receio”, avaliou Marielle à época.
Marielle apontava que assim como a intervenção federal nos complexos do Alemão e da Maré em 2014, a nova intervenção que começava em 2018 também ocorria em ano eleitoral. Ela criticava que a vida da população não era levada em consideração quando políticas ‘faraônicas’ de segurança pública eram convertidas em capital eleitoral e questionava a própria legitimidade das intervenções.
“Intervenção militar é farsa. E não é conversa de hashtag. É farsa mesmo. Tem a ver com a imagem da cúpula da segurança pública, com a salvação do PMDB, tem relação com a indústria do armamentismo... Há uma série de fatores que me levam a essa convicção. Uma ação midiática. Não à toa o Temer se reuniu com seu time de marqueteiros para avaliar os impactos do anúncio da intervenção, saiu nos jornais”, criticou Marielle em fevereiro de 2018.”
E emendou: “o sentimento de insegurança é generalizado e nas favelas é ainda maior. E o que estamos vendo, nas áreas pobres da cidade, é o abuso, as ações totalmente inócuas no combate à violência – aliás, são elas próprias violentas e inconstitucionais -, como revistar mochila das crianças e fotografar cidadãos. Além de não coibir a criminalidade, criminaliza a pobreza. Armas e drogas não brotam nas favelas. Os que as financiam, e lucram com o mercado da criminalidade, estão bem longe dali”.
Marielle ainda fez críticas ao então presidente Michel Temer e ao governador Pezão antes de ser perguntada sobre declaração feita à época pelo general Eduardo Villas-Bôas, o mesmo do tuíte ameaçador ao Supremo Tribunal Federal quando Lula foi julgado impedido de concorrer nas eleições daquele ano.
“Temos que agir com a garantia de que não haverá outra Comissão da Verdade”, disse Villas-Bôas à época. Marielle comentou a declaração, que claramente fazia referências às intervenções federais no Rio e à missão no Haiti (Minustah).
“Ele só pede licença pra violar. O próprio informe do Exército apresenta a ideia de que as instituições democráticas, se atuarem com sinergia e acompanhamento, podem comprometer sua atuação. O general quer o que, licença pra torturar e desaparecer? Pois as Comissões da Verdade trabalham também a questão do monitoramento de dados, da informação, coisas sobre as quais sempre se quis negar acesso. Ele quer se desobrigar de prestar contas, quer se despreocupar das relações sociais mais amplas? É muito preocupante. O general quer licença pra violar”, disse Marielle.