Um grupo composto por representantes de 16 etnias indígenas realizou um protesto na manhã deste domingo (4) na região de Pirituba, Zona Norte da cidade de São Paulo. O coletivo luta contra o projeto de lei (PL) 490/2007, que propõe alterações no processo de demarcação de terras indígenas e foi aprovado na Câmara no dia 30 de maio - o projeto ainda precisa ser analisado pelo Senado.
A concentração do protesto ocorreu na Pracinha da Rua Comendador José de Matos e percorreu uma distância de seis quilômetros, porém, desta vez, não houve interrupção da Rodovia dos Bandeirantes. Uma decisão judicial proibiu a manifestação e estabeleceu uma multa de R$ 20 mil e o uso de força policial em caso de descumprimento.
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No dia 30 de maio, a Polícia Militar de São Paulo usou bombas de gás, balas de borracha e jatos d'água para dispersar os indígenas que bloqueavam a rodovia naquela manhã. Neste domingo, houve um acordo entre as lideranças indígenas e a polícia para a realização do protesto.
Ambos os atos têm como objetivo evitar a aprovação do Projeto de Lei 490, que estabelece que as terras indígenas são aquelas que estavam ocupadas pelos povos tradicionais em 5 de outubro de 1988. Ou seja, é necessária a comprovação da posse da terra na data da promulgação da Constituição Federal.
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"Por tudo isso e pela luta por nossas terras e nossas vidas, vamos dar continuidade ao ato que foi brutalmente interrompido e finalizar nosso ato religioso", afirmaram os representantes indígenas em nota.
Um dos participantes do ato deste domingo foi o vereador Eduardo Suplicy (PT). Pelas redes sociais ele fez o registro da caminhada que reuniu centenas de pessoas.
Demarcação de terras indígenas
De acordo com a legislação atual, a demarcaç??o de terras indígenas requer a abertura de um processo administrativo dentro da Fundação Nacional do Índio (Funai), com a elaboração de um relatório de identificação e delimitação realizado por uma equipe multidisciplinar, que inclui um antropólogo. Não há necessidade de comprovação da posse em uma data específica.
O projeto inclui não apenas a implementação do marco temporal, mas também proíbe a expansão de terras que já foram demarcadas anteriormente, independentemente dos critérios e das reivindicações feitas pelas comunidades indígenas envolvidas.
Além disso, há uma preocupação significativa por parte de organizações não governamentais em relação a uma seção do projeto que poderia permitir uma flexibilização do contato com povos indígenas isolados, o que representaria um risco social e de saúde para essas comunidades.
Marco temporal
O marco temporal é uma tese jurídica que defende que os povos indígenas só têm direito à demarcação de suas terras tradicionais se estivessem ocupando essas terras em 5 de outubro de 1988, data da publicação da Constituição Federal do Brasil.
Segundo essa tese, as terras que estavam desocupadas ou ocupadas por outras pessoas naquela data não podem ser demarcadas como terras indígenas. Esses territórios podem ser considerados propriedade de particulares ou do Estado, e não mais dos povos originários que a habitam.
A tese tem sido defendida por setores ruralistas e políticos contrários aos direitos dos povos indígenas, que argumentam que a falta de uma data definida para a ocupação das terras pelos indígenas gera insegurança jurídica e conflitos fundiários.
Por outro lado, o marco temporal é amplamente criticado por juristas, organizações indígenas, movimentos sociais e ambientalistas, que apontam que a tese é um retrocesso aos direitos dos povos indígenas e uma afronta à sua dignidade e sobrevivência.
Além disso, muitas comunidades indígenas foram expulsas de suas terras durante a ditadura militar e só conseguiram retornar após a data estabelecida pela tese, o que pode resultar em graves violações dos direitos humanos desses povos.
Julgamento no STF
A votação do marco temporal na Câmara antecedeu a retomada do julgamento do Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal (STF), agendado para a próxima quarta-feira (7).
O julgamento na Suprema Corte trata de uma ação envolvendo a Terra Indígena Xokleng Ibirama Laklaño, dos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e o estado de Santa Catarina.
A discussão sobre o marco temporal no âmbito do judiciário teve início em 2009, durante o julgamento do caso Raposa Serra do Sol. Esse julgamento, ao mesmo tempo que reconheceu a demarcação das terras indígenas, impôs, naquele caso específico, uma série de condicionantes chamadas de “salvaguardas institucionais”, entre elas, o critério do Marco Temporal.
Baseando-se nas condicionantes desse julgamento, foi realizada uma série de instrumentos anulando a demarcação de terras indígenas e determinando o despejo de comunidades inteiras.
Diante disso, tanto as comunidades e organizações indígenas quanto o Ministério Público Federal (MPF) recorreram, buscando com isso, uma nova manifestação da Corte, para definir se as condicionantes se estendiam automaticamente às outras terras ou não. Instaurou-se o debate sobre se essas “salvaguardas” ou “19 condicionantes” deveriam ser seguidas em todos os processos de demarcação de terras indígenas.
Em 2013, o STF analisou os recursos, decidindo que as condicionantes do julgamento Raposa Serra do Sol “não vincula juízes e tribunais quando do exame de outros processos relativos a terras indígenas diversas (…). A decisão vale apenas para a terra em questão”. O que não impediu que o argumento continuasse sendo utilizado por parlamentares e juristas que advogam para os interesses do agronegócio e do capital.