RETROCESSO

Marco temporal: movimentos indígenas e progressistas reagem ao avanço da pauta

Possibilidade de votação do PL 490/07 mobiliza parlamentares, influenciadores e grupos em defesa da pauta dos povos originários

Créditos: Reprodução Twitter Apib Oficial - Movimentos indígenas se mobilizam contra marco temporal
Escrito en POLÍTICA el

A possibilidade de votação do marco temporal de demarcação de terras indígenas (PL 490/07) pelo plenário da Câmara na sessão desta terça-feira (30) acendeu o sinal de alerta para parlamentares, influenciadores e movimentos sociais que atuam em defesa dos povos originários. 

Embora a pauta oficial do Plenário ainda não tenha sido divulgada, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que ligou o modo trator, já anunciou que a análise do marco temporal deve ocorrer nesta terça.

Na última quarta-feira (24), por 324 votos a favor e 131 contra, deputados e deputadas aprovaram o regime de urgência para o projeto do marco temporal, que determina que só serão demarcadas as terras indígenas tradicionalmente ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.

Manifestações nas redes contra o marco temporal

Nas redes sociais há uma grande mobilização de parlamentares, influenciadores e movimentos em defesa dos direitos dos povos indígenas contra a aprovação do PL do marco temporal. Confira algumas postagens:

A conta da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) postou que o momento é de se posicionar a favor da vida e contra o PL 490.

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em sua conta no Twitter, alertou que o PL 490 também quer acabar com a consulta prévia, o que caracteriza retirada de direitos.

A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, está na Câmara em campanha contra a aprovação do PL 490. Ela concedeu uma entrevista coletiva no Salão Verde da Casa acompanhada por parlamentares que atuam em defesa dos provos indígenas. Ela comenta que o marco temporal é um genocídio contra os povos originários.

Confira aqui a entrevista da ministra.

A deputada indígena Célia Xakriabá (Psol-MG) comentou que o PL 490 é um ataque aos direitos indígenas definidos pela Constituição Federal.

A deputada Erika Hilton (Psol-SP) destacou que a melhor maneira de preservar o meio ambiente é demarcar as terras dos povos originários.

A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) também ressaltou que o marco temporal é inconstitucional.

O deputado Chico Alencar (Psol-RJ) compartilhou um vídeo com a atriz Dira Paes que aleta que o PL 490, além dos povos indígenas, também impacta negativamente o clima e o meio ambiente.

A deputada Duda Salabert (PDT-MG) comentou que a aprovação do marco temporal significa o fim da demarcação de terras indígenas e o genocídio de centras de grupos originários.

A deputada Natália Benevides (PT-RN) criticou a ação da polícia do governador bolsonarista de São Paulo Tarcísio de Freitas contra os manifestantes que defendem os direitos dos povos indígenas nesta terça.

A deputada Maria do Rosário (PT-RS) destacou que defender o PL 490 equivale a negar o direito à terra dos povos originário.

O deputado André Janones (Avante-MG) comenta que o PL 490 é mais um ataque aos povos indígenas e ao meio ambiente.

O influenciador e youtuber Felipe Neto comentou que o Congresso Nacional precisa compreender que o povo brasileiro não ficará calado com a aprovação do PL 490.

Entenda o marco temporal

O marco temporal é uma tese jurídica que defende que os povos indígenas só têm direito à demarcação de suas terras tradicionais se estivessem ocupando essas terras em 5 de outubro de 1988, data da publicação da Constituição Federal do Brasil.

Segundo essa tese, as terras que estavam desocupadas ou ocupadas por outras pessoas naquela data não podem ser demarcadas como terras indígenas. Esses territórios podem ser considerados propriedade de particulares ou do Estado, e não mais dos povos originários que a habitam.

A tese tem sido defendida por setores ruralistas e políticos contrários aos direitos dos povos indígenas, que argumentam que a falta de uma data definida para a ocupação das terras pelos indígenas gera insegurança jurídica e conflitos fundiários.

Por outro lado, o marco temporal é amplamente criticado por juristas, organizações indígenas, movimentos sociais e ambientalistas, que apontam que a tese é um retrocesso aos direitos dos povos indígenas e uma afronta à sua dignidade e sobrevivência.

Além disso, muitas comunidades indígenas foram expulsas de suas terras durante a ditadura militar e só conseguiram retornar após a data estabelecida pela tese, o que pode resultar em graves violações dos direitos humanos desses povos.

Julgamento no STF

Caso ocorra nesta terça, a votação do marco temporal na Câmara vai anteceder em uma semana a retomada do julgamento do Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal (STF), agendado para a próxima quarta-feira (7).

O julgamento na Suprema Corte trata de uma ação envolvendo a Terra Indígena Xokleng Ibirama Laklaño, dos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e o estado de Santa Catarina. 

A discussão sobre o marco temporal no âmbito do judiciário teve início em 2009, durante o julgamento do caso Raposa Serra do Sol. Esse julgamento, ao mesmo tempo que reconheceu a demarcação das terras indígenas, impôs, naquele caso específico, uma série de condicionantes chamadas de “salvaguardas institucionais”, entre elas, o critério do Marco Temporal.

Baseando-se nas condicionantes desse julgamento, foi realizada uma série de instrumentos anulando a demarcação de terras indígenas e determinando o despejo de comunidades inteiras.

Diante disso, tanto as comunidades e organizações indígenas quanto o Ministério Público Federal (MPF) recorreram, buscando com isso, uma nova manifestação da Corte, para definir se as condicionantes se estendiam automaticamente às outras terras ou não. Instaurou-se o debate sobre se essas “salvaguardas” ou “19 condicionantes” deveriam ser seguidas em todos os processos de demarcação de terras indígenas.

Em 2013, o STF analisou os recursos, decidindo que as condicionantes do julgamento Raposa Serra do Sol “não vincula juízes e tribunais quando do exame de outros processos relativos a terras indígenas diversas (…). A decisão vale apenas para a terra em questão”. O que não impediu que o argumento continuasse sendo utilizado por parlamentares e juristas que advogam para os interesses do agronegócio e do capital.

Máquina de moer a história

A Apib preparou uma cartilha que explica ponto a ponto a tese do marco temporal. De acordo com o material, essa tese busca reescrever a história ao posicionar o colonizador como dono da terra e o indígena como invasor. 

"O marco temporal nega a presença do indígena neste território e negando a presença do indígena ele nega a contribuição. O marco temporal nega as práticas que a gente teve de sobrevivência, nega a nossa ciência, nega o canto, a pintura, a culinária", diz o material.

Baixe aqui a cartilha da Apib