No perfil Dona de Casa Opressora, que tem 24,5 mil seguidores no Instagram, a deputada federal Julia Zanatta, eleita pelo PL de Santa Catarina com 111.588 votos em 2022, dedica a maior parte das postagens a atacar o feminismo, ao qual agora recorre para acusar falsamente seu colega Márcio Jerry (PCdoB-MA) de assédio.
A armação bolsonarista, que tem o objetivo de atingir o ministro da Justiça Flávio Dino, próximo de Jerry, foi feita a partir de frames de um vídeo em que o maranhense se aproxima de Zanatta para pedir a ela que pare de gritar com a colega Lídice da Mata (PSB-BA), integrante da bancada feminista.
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Isso ocorreu logo depois da sessão da Comissão de Segurança Pública da Câmara que começou a ouvir o ministro Flávio Dino mas teve de ser interrompida por causa de bate-bocas entre bolsonaristas e governistas. Dino se tornou um dos maiores alvos da oposição por ter comandado a repressão à tentativa de golpe de 8 de janeiro e por tentar limitar o uso de armas no Brasil.
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As imagens congeladas, a partir das quais a mídia propagou a denúncia da deputada Zanatta, mostram Jerry com o nariz próximo ao cabelo da colega catarinense. O vídeo, no entanto, mostra que foi um movimento rápido, em que ele se aproximou, disse uma frase e recuou.
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Quem é Julia Zanatta
A deputada que hoje se faz de vítima tem um histórico de desrespeito e fake news nas redes sociais, especialmente antes de se eleger.
No perfil Dona de Casa Opressora, Zanatta reproduz uma foto de si mesma com um aspirador de pó e sentencia: “Quem foi o idiota que disse que donas de casa são desocupadas e inúteis?”.
Sobre a foto de uma mulher negra, de Salvador, que numa manifestação segura um cartaz onde está escrito “Gostosas contra Bolsonaro”, ela pergunta: “Mas onde estão as gostosas?”.
“Manifestação parecia um navio pirata, só tinha canhão”, escreveu um dos comentaristas. Julia Zanatta, de 38 anos de idade, aparentemente se acha o padrão de beleza universal e emoldura seus cabelos loiros com tiaras floridas.
Apesar disso, posta vídeos disparando um fuzil e diz que os homens de hoje são frágeis. A ideia de virilidade dela é Jair Bolsonaro.
“Todos os esquerdomachos que dia e noite ficam postando coisas contra Bolsonaro — tais como Túlio Gazela — sonham em ter a virilidade do Jair. E as esquerdofêmeas não tiveram um pai tão viril quanto ele”, escreveu num post do twitter reproduzido no Instagram.
No perfil, aparecem fotos da hoje deputada com estrelas do bolsonarismo, como Sarah Winter, Olavo de Carvalho, Allan dos Santos e o próprio Jair Bolsonaro. Numa foto com Eduardo Bolsonaro, se refere a ele como “Duda”. Em outra, aparece com a mulher de Eduardo, Heloisa, em um clube de tiro dos Estados Unidos.
A amizade entre a agora deputada e os Bolsonaro começou quando Zanatta namorava o dono do clube de tiro .38, sediado em São José, vizinha a Florianópolis, em Santa Catarina.
Tony Eduardo, dono do clube, recebeu os irmãos Carlos e Eduardo para treinamento de tiro em suas instalações. Curiosamente, é o mesmo clube que foi frequentado por Adélio Bispo, acusado de esfaquear Jair Bolsonaro durante a campanha de 2018.
No episódio, Zanatta atuou como porta-voz do clube, negando qualquer ligação entre Carlos Bolsonaro e Adélio.
Julia viajou várias vezes para os Estados Unidos com o namorado, instrutor do 88 Tactical, um clube de tiro de Omaha, no Nebraska.
Os donos do clube dizem que 88 é o código da polícia local para “situação segura”, mas os números também remetem à oitava letra do alfabeto, o H, de Heil Hitler. Além disso, a águia que simboliza o clube guarda similaridades com a adotada pelos nazistas.
Carlos e Eduardo Bolsonaro também frequentaram o clube de Omaha, tendo Tony como instrutor.
Desfeito o namoro, Julia Zanatta manteve intimidade com os Bolsonaro, que impulsionaram sua carreira política. Ela e Eduardo militam no lobby dos que defendem a liberação de armamento pesado no Brasil, a exemplo do que já acontece nos Estados Unidos.
As candidaturas dela, do governador Jorginho Melo e do senador Jorge Seif, todos de Santa Catarina, foram recomendadas pelo grupo Pro Armas em seu site.
Pela proximidade com o filho do ex-presidente, Zanatta é considerada uma das operadoras mais importantes dos bastidores do bolsonarismo. Ela participou da Cúpula Conservadora das Américas, organizada por Eduardo em 2018. Depois, visitou com o filho do presidente a casa de Olavo de Carvalho na Virgínia, Estados Unidos,
Aparentemente, Zannata gostou de seu perfil de então candidata, publicado pela revista Crusoé, que diz: “A ‘antifeminista’ do fuzil. Coordenadora da Embratur, a advogada Julia Zanatta se define como ‘armamentista, antifeminista, bolsonarista e cristã’. Amiga pessoal de Heloisa Bolsonaro, Julia é responsável pelo perfil Dona de Casa Opressora, mantido no Instagram, que costuma fazer troça com mulheres que não se depilam, não gostam de fazer atividades domésticas e são defensoras da ‘ideologia de gênero’. No inquérito dos atos democráticos, a Polícia Federal apontou Julia como o nome que o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, hoje foragido nos Estados Unidos, queria indicar para a Secretaria de Radiodifusão do Ministério das Comunicações. Em mensagens trocadas com o blogueiro, ela diz: ‘Temos que tomar essa secretaria’. Em 2020, concorreu à Prefeitura de Criciúma pelo PL, mas foi derrotada ao obter apenas 7% dos votos”.
O cargo na Embratur ela recebeu por apadrinhamento de Eduardo Bolsonaro. Na disputa pela Prefeitura, Julia liderou a coligação Criciúma acima de tudo, Deus acima de todos. Gastou pouco mais de 200 mil reais na campanha.
Já na campanha bem sucedida para deputada, Zanatta gastou pouco mais de R$ 1 milhão, a maior parte do Fundo Partidário a que o PL tem direito.
Além de traços de homofobia e gordofobia, o perfil Dona de Casa Opressora também exibe mensagens machistas e de transfobia: “Câncer de pênis em mulheres. Esse é o post”, ela escreveu sobre um problema enfrentado por mulheres trans.
Sobre um cartaz do Black Lives Matter, o perfil comenta: “Querem dividir para conquistar. Todas as vidas importam”.
Porém, neste caso ela tomou uma invertida de uma seguidora: “Sim todas as vidas importam, mas a sua nunca é colocada em risco só pelo seu tom de pele. O racismo existe e assumir isso não te faz menos conservadora ou de direita”.
O perfil Dona de Casa Opressora reproduz um post que compara a ex-deputada Manuela d’Ávila a Hitler, dizendo que enquanto o nazismo matou 6 milhões, o comunismo matou 110 milhões.
“Porto Alegre não elegeu a comunista de iPhone. Nem sei quem é o outro candidato. Mas qualquer coisa deve ser melhor que a Venezuela d’Ávila”, comentou.
Sobre uma jornalista crítica de Bolsonaro, escreveu: “Miriam Leitão, ex-guerrilheira, chocada com uma arma é o mesmo que uma prostituta chocada com um pênis”. E acrescentou: “Até parece que nunca pegou num cano”.
Há uma quantidade copiosa de fake news sobre a vacina contra a covid e os banheiros unissex. “Barbados que nem ele que querem usar o banheiro de sua filha. Levante-se e não aceite”, escreveu a partir de uma montagem de um homem barbudo usando vestido.
Lobby armamentista
Um artigo publicado pelos Pesquisadores Globais Contra o Fascismo (GRAF), baseado em Washington, sustenta que a “indústria internacional de armas está sustentando a extrema-direita no Brasil, representada pela família Bolsonaro e aliados”.
De acordo com o artigo, o grupo Pro Armas, através de Eduardo Bolsonaro, tenta repetir no Brasil o lobby feito pela National Rifle Association (NRA) nos Estados Unidos.
A NRA tem uma poderosa bancada no Congresso que impede a criação de uma legislação que poderia conter a epidemia de tiroteios em escolas dos Estados Unidos. Pelo contrário, para azeitar os negócios defende que até professores tenham treinamento e acesso a armas.
“Nós encontramos indícios de que, desde o final de 2015, a família Bolsonaro começou a estabelecer relações com empregados de clubes de tiro dos Estados Unidos. Os empregados do 88 Tactical, de Omaha, Nebraska, facilitaram o networking com a NRA e com a indústria internacional de armas. Mais tarde, eles progrediram para uma relação próxima com a família Trump e com Steve Bannon, que trabalharam juntos para ajudar a família Bolsonaro a vencer as eleições de 2018”, diz o relatório da GRAF.
Julia Zanatta fez uma postagem recente carregando um rifle e sugerindo tiros no presidente Lula. O atual presidente orientou Flávio Dino a acabar com a política armamentista do governo anterior, o que pode prejudicar grandes negócios do lobby armamentista.
Neste contexto, o ataque a Jerry é explicável: ele é um dos parlamentares mais próximos ao ministro da Justiça.
Ataque à memória de Marielle Franco
Uma das postagens mais agressivas da página Dona de Casa Opressora, ligada a Julia Zanatta, foi a reprodução de um post alheio, feita em 15 de março de 2018.
No dia anterior, a vereadora Marielle Franco (Psol-RJ) e seu motorista, Anderson Gomes haviam sido assassinados no Rio de Janeiro. Ela, com quatro tiros na cabeça. Ele, com três tiros nas costas.
O post reproduz um tweet de Marielle que dizia: “Conseguimos! Barramos emenda que poderia permitir a Guarda Municipal usar armas de fogo no Rio”.
Um dos comentários, mantidos até hoje no perfil, justifica os assassinatos: “Quem mexe com marimbondos não pode esperar beijos de amor”.
“Não tenho pena, não”, escreveu o perfil associado a Julia Zanatta sobre os bárbaros assassinatos de Marielle e Anderson em 2018.