ESCÂNDALO DAS JOIAS

Episódio do Rolex de ouro e diamantes escancara hipocrisia e prioridades de Bolsonaro

Ex-presidente que posava com relógio de R$20 escolheu, dentre algumas opções, os presentes milionários recebidos na Arábia Saudita; Governo Lula quer explicações

Bolsonaro sujando-se com farofa em janeiro de 2022.Episódio do Rolex de ouro e diamantes escancara hipocrisia e prioridades de BolsonaroCréditos: Reprodução /Redes Sociais
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Ao longo da sua trajetória política, incluindo sobretudo as três décadas em que foi considerado um político do baixo clero da Câmara dos Deputados, em Brasília, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sempre buscou passar uma imagem de que seria um “homem do povo”, de hábitos simples e sem apego ao luxo. Foi filmado por diversas vezes em cenas que de maneira completamente artificial tentavam passar essa mensagem, como a vez em que se lambuzou com leite condensado vestindo uma camiseta pirata de futebol ou o dia em que se sujou inteiro de farofa.

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Cenas essas revelam muito mais sobre a ideia que o ex-presidente e seu entorno possam ter a respeito do comportamento das pessoas ditas simples, do que de um suposto êxito em reproduzi-lo. A hipocrisia já estava dada, mas isso é secundário. O principal é que muita gente ainda dava crédito a essa conversa do “Bolsonaro homem do povo” até poucas semanas atrás. Foi o chamado escândalo das joias, revelado no começo do mês, o divisor de águas para quem ainda tinha dúvidas sobre o suposto caráter “simples” e “desapegado” do líder de extrema direita.

Em 3 de março foi revelado pelo Estadão que Jair Bolsonaro tentou contrabandear para o país um pacote de joias avaliado em R$ 16,5 milhões, supostamente dados à ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro - além de ter efetivamente conseguido entrar com um segundo pacote, dessa vez em seu nome, avaliado em aproximadamente meio milhão.

O escândalo tem uma série de implicações legais já exaustivamente exploradas na imprensa – em especial sobre a obrigação da inclusão das joias em acervo da Presidência e não no ‘acervo do presidente’ – que ligaram o alerta do seu entorno sobre eventuais novas complicações na Justiça. Na última terça-feira (28) foi revelado pelo mesmo jornal que Bolsonaro recebeu, a título de interesse pessoal, um terceiro conjunto de joias do governo da Arábia Saudita, diretamente das mãos do rei Salman Bin Abdulaziz Al Saud. O presente dado em outubro de 2019, durante visita do então mandatário ao país, contém entre outras joias um relógio Rolex de ouro e diamantes avaliado e R$ 360 mil.

Para além das complicações judiciais que já preocupam tanto o seu entorno como autoridades da Polícia Federal e da Secretaria de Segurança Pública do DF, o recente escândalo que a cada semana ganha um novo episódio pegou muito mal para a imagem do ex-presidente que quando tomou posse, em janeiro de 2019, exibia um relógio Aqua, que pode ser encontrado a partir R$ 20 nas ruas do Brasil. Mas para além do ‘upgrade’ no relógio de pulso, há um novo elemento que expõe não apenas a hipocrisia da imagem “mitológica” que Bolsonaro criou para si, como também das suas prioridades.

Bolsonaro no dia de sua posse com o relógio Aqua.Créditos: Roque de Sá / Agência Senado

De acordo com a coluna da Bela Megale, em O Globo, durante o encontro com o rei Salman, Bolsonaro recebeu outros presentes além do Rolex de ouro e diamantes. Foram itens perecíveis da alta gastronomia saudita divididos em duas caixas. Na primeira, dois frascos de essências e na segunda dez garrafas de azeite de oliva extra virgem. Junto com ambos, havia ainda seis sacos de café árabe e duas embalagens de tâmaras.

O “simples” e “desapegado” ex-presidente, ao regressar, submeteu as tâmaras, café, azeite e essências ao rigor alfandegário, enquanto as joias foram enviadas ao seu acervo pessoal. O Rolex incluso. Dez dias depois, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) determinou que os alimentos não fossem entregues ao presidente por questão de segurança.

Governo Lula quer explicações

Bolsonaro anunciou sua volta para o Brasil para a próxima quinta-feira (30) após passar os últimos três meses nos EUA, onde participou de palestras e eventos da extrema direita de lá e foi filmado vendo fotos do presidente Lula (PT) no celular dentro de um supermercado. Enquanto parlamentares aliados chamam manifestações para recebê-lo, ele provoca o governo dizendo que quer desfilar em Brasília em carro aberto.

Ao mesmo tempo, é de conhecimento público que um dos seus principais medos é ter um mandado de prisão expedido contra si após o retorno. E os recentes escândalos envolvendo as joias podem disparar justamente esse gatilho.

Nesse contexto, o ministro Alexandre Padilha, das relações institucionais veio a público nesta quarta-feira (29) para afirmar que o Governo Lula não está preocupado com a volta do antecessor. Mas que o ex-presidente é que deveria preocupar-se em explicar os escândalos em que está metido, entre eles o das joias.

“O presidente Lula está preocupado com o povo brasileiro. Ele trabalha pensando no povo, em como aprovar os projetos importantes no Congresso, se dedica ao marco fiscal, ao papel do Brasil no mundo. Não cabe ver a circulação de qualquer pessoa que se declara da oposição, muito menos o ex-presidente que fugiu do país. Bolsonaro vai ter que dar explicações sobre as joias, vai ter que das as explicações sobre várias questões que estão sendo descobertas do governo dele. Ai ter que dar explicações sobre as obras paralisadas no país”, declarou.