O Projeto de Lei 5.230/2023, do Novo Ensino Médio, estava agendado para ser votado em regime de urgência nesta terça-feira (19). O texto teve um substitutivo que prejudica estudantes de escola pública protocolado pelo deputado federal e relator da proposta Mendonça Filho (União Brasil-PE), ex-ministro da Educação do governo Temer, no qual as mudanças curriculares foram aprovadas.
No início da tarde, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva informou que a votação do Novo Ensino Médio foi adiada para março de 2024. A decisão foi tomada em reunião realizada entre o ministro da Educação, Camilo Santana, Mendonça e deputado federal José Nobre Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara.
Te podría interesar
O relator, Mendonça Filho, aceitou o parecer preliminar de plenário pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados. O documento pede a substituição de um trecho do artigo 44 da Lei 9.394/1996 que diz respeito a entrada em cursos de graduação por meio de processo seletivo.
A nova redação prevê um processo seletivo que considerará as competências e habilidades definidas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e nos itinerários formativos – conjunto de disciplinas, projetos e oficinas que permitem um aprofundamento em uma área de conhecimento específica, conforme escolha do estudante. Ou seja, inclui itinerários formativos no processo seletivo do Ensino Superior.
Te podría interesar
Os itinerários formativos são:
- Matemática e suas tecnologias;
- Linguagens e suas tecnologias;
- Ciências da natureza e suas tecnologias;
- Ciências humanas e sociais aplicadas;
- Formação técnica e profissional.
De acordo com o professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Daniel Cara, a proposta pode acentuar ainda mais a desigualdade na preparação para os processos seletivos do Ensino Superior: "As escolas privadas vão investir na FGB [Formação Geral Básica] e vão estruturar uma complementação de conteúdos. Nas escolas públicas, seguiremos no caos", aponta, em entrevista à Fórum.
Cara relembra que, na configuração atual, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) só pode exigir competências e habilidades previstas na BNCC, documento normativo obrigatório ao qual todas as propostas curriculares dos sistemas e redes de ensino brasileiras devem se adequar. Este conteúdo corresponde a 60% da carga horária do Novo Ensino Médio – 1.800 das 3.000 horas.
Prevista em lei, a BNCC á aplicada em escolas públicas e privadas de educação básica – Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio – por todo o território nacional. O documento institui políticas educacionais o que deve ser objeto de estudo nas escolas e propõe uma sequência para o ensino e o nível de aprofundamento a ser atingido em cada etapa da escolarização.
Ela serve de referência para a produção de materiais didáticos, a formação inicial e continuada de professores e mecanismos de avaliação da aprendizagem dos estudantes da educação básica, por exemplo.
Essa proposta do Mendonça Filho é vandalismo curricular, como diz o professor Salomão Ximenes, da UFABC. Itinerários formativos são parte diversificada do currículo, considerando as leis e normas brasileiras. Por definição, são distintos em cada lugar.
Sobre a votação
Na quarta-feira (13), o plenário da Câmara dos Deputados aprovou a votação por regime de urgência do PL de reforma do Novo Ensino Médio, pelo placar de 351 votos a favor a 102 votos contrários.
Conforme o documento apresentado pelo deputado, 87,2% dos estudantes matriculados no Ensino Médio são de rede pública, seja estadual ou federal. Daniel Cara avalia que a votação em regime de urgência tem um significado nítido: "O parlamento está de costas às escolas públicas. Não vê o que está acontecendo nos estados brasileiros".
Diante desse tipo de provocação, contrária ao processo de negociação, os líderes da Câmara dos Deputados precisam cancelar a votação do Ensino Médio.
Em suas redes sociais, o professor manifestou seu descontentamento com o substituto: "vai prejudicar ainda mais os estudantes de escolas públicas, sem qualquer constrangimento, diante do que tem sido a caótica implementação do NEM", escreveu.
O PL de Mendonça Filho é nova versão ao formato introduzido em 2017, quando o deputado era ministro da Educação no governo do ex-presidente Michel Temer. A reforma curricular propunha a flexibilização do ensino, com uma grade comum e uma parcela da carga horária voltada para áreas de aprofundamento.
No entanto, desde a implementação, obrigatória a partir de 2022, o Novo Ensino Médio foi alvo de críticas de estudantes, educadores e ativistas da educação: conteúdos pouco associados ao currículo, poucos itinerários oferecidos pelas escolas e carência de profissionais para lecionar as disciplinas obrigatórias. Em abril, o governo federal suspendeu a implementação do formato.
O governo do presidente Lula, por meio do Ministério da Educação, então, articulou um substitutivo ao texto aprovado em 2017, desta vez com Mendonça como relator. Na redação da Câmara, 70% da carga horária comum seria ocupada com as disciplinas regulares e 30% com disciplinas optativas, além dos itinerários serem mantidos.
Os itinerários teriam conteúdo curricular mais abrangente, segundo a proposta do governo Lula, protocolada em outubro. Nela, as escolas deveriam ofertar apenas dois dos seguintes itinerários de forma obrigatória:
- Linguagens, Matemática e Ciências da Natureza;
- Linguagens, Matemática e Ciências Humanas e Sociais;
- Linguagens, Ciências Humanas e Sociais e Ciências da Natureza; e
- Matemática, Ciências Humanas e Sociais e Ciências da Natureza.
O relator da proposta enviada à Câmara em dezembro, no entanto, afirma que a nova versão torna o Ensino Médio mais atraente para os jovens. "É preciso conectar o Ensino Médio com o desejo e os sonhos dos jovens. [...] O jovem quer acesso à educação técnica profissionalizante de qualidade, então a gente precisa segurar isso", destacou em entrevista à Rádio Câmara.
Se a gente conseguir avançar aprovando o substitutivo, que é um etapa a mais na concepção original do Novo Ensino Médio, votado em 2017, nós vamos proporcionar mais atratividade, reduzindo a evasão e ao mesmo tempo criando estímulos pros jovens.
Empresários na Educação
O professor retomou uma discussão sobre a participação de setores do capital financeiro nos rumos da educação, sobretudo na pauta do Novo Ensino Médio. "O MEC finge que não, mas se omitiu na Câmara porque o gabinete do ministro tem compromisso com as fundações empresariais".
A política educacional tem sido abocanhada por empresas protagonistas no mercado financeiro: o Itaú/Unibanco, das famílias Souza Aranha e Moreira Salles, tem avançado em convênios com universidades públicas e privadas; e a Natura, de Neca Setúbal, defensora da reforma do Ensino Médio.
O nome de Jorge Paulo Lemann também está associado ao MEC. A empresa de investimentos Fundação Lemann apoiou a parceria entre o Ministério da Comunicação e uma ONG na opinião sobre o gasto do orçamento de R$ 6,6 bilhões destinado à conectividade de escolas públicas à internet. Mendonça Filho foi consultor na Fundação Lemann de janeiro de 2021 a junho de 2022.