OPINIÃO

100 Dias de Trump 2.0 - Por Thaís Cremasco

A retórica misógina de Trump, que sempre foi uma marca de sua política, se fortalece ainda mais. Com declarações que ridicularizam denúncias de assédio e violência, ele reafirma a cultura da impunidade para agressores

Protestos contra Donald Trump nos EUA.Créditos: Adam Gray/Getty Images/AFP
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Os primeiros 100 dias de um governo costumam definir sua direção, deixando claro quais são suas prioridades e compromissos políticos. No caso do segundo mandato de Donald Trump, esse início não representa apenas a reafirmação de sua agenda conservadora, mas um avanço ainda mais brutal contra os direitos humanos, especialmente das mulheres, da população negra, de imigrantes e de grupos historicamente marginalizados.

Se o primeiro governo de Trump (2017-2021) já foi marcado por ataques sistemáticos a políticas de igualdade de gênero e racial, agora, com um Congresso ainda mais alinhado ao seu projeto autoritário, o impacto de suas medidas se torna ainda mais devastador. O que estamos assistindo nestes primeiros 60 dias é a aceleração de um desmonte sem precedentes das conquistas sociais das últimas décadas.

O segundo governo Trump começou com uma ofensiva direta contra os direitos reprodutivos. Com a Suprema Corte agora dominada por juízes ultraconservadores indicados durante seu primeiro mandato, as restrições ao aborto se tornaram ainda mais severas. Estados governados por aliados de Trump já estão intensificando leis antiaborto, criminalizando mulheres e profissionais da saúde e tornando o acesso à saúde sexual ainda mais restrito.

Além disso, o governo tem pressionado para que estados eliminem o financiamento de organizações como a Planned Parenthood, uma das principais instituições de apoio à saúde da mulher, especialmente para aquelas em situação de vulnerabilidade. A nova ofensiva contra o Violence Against Women Act (VAWA) ameaça programas de proteção a vítimas de violência doméstica, deixando milhares de mulheres sem suporte.

A retórica misógina de Trump, que sempre foi uma marca de sua política, se fortalece ainda mais. Com declarações que ridicularizam denúncias de assédio e violência, ele reafirma a cultura da impunidade para agressores. A normalização do machismo institucionalizado nos Estados Unidos fortalece o antifeminismo global e serve de exemplo para líderes conservadores ao redor do mundo.

Supremacia branca em ascensão

O segundo governo Trump chega com uma nova escalada da violência racial nos Estados Unidos. Seu apoio aberto a grupos supremacistas brancos e sua retórica anti-imigrante vêm fortalecendo discursos de ódio e ataques violentos contra comunidades negras e latinas.

A flexibilização das regras para o uso da força policial, iniciada em sua primeira gestão, agora se transforma em uma verdadeira licença para matar. A revogação de diretrizes que limitavam a brutalidade policial já está resultando em um aumento alarmante de casos de assassinato de pessoas negras por forças de segurança.

A política de encarceramento em massa da população negra e latina também está sendo aprofundada, com medidas que endurecem penas para crimes não violentos e aumentam a privatização do sistema prisional. O objetivo é claro: transformar vidas negras em mercadoria para enriquecer empresas que lucram com a privação de liberdade.

Além disso, Trump tem demonstrado sua intenção de desmontar políticas de ação afirmativa, atacando diretamente a presença de estudantes negros e latinos em universidades de prestígio. Seu discurso contra a “ideologia woke” nada mais é do que uma tentativa de criminalizar o ensino da história do racismo e da escravidão, apagando a luta por equidade racial do debate público, sob o argumento hipócrita de meritocracia.

O terror contra imigrantes

A volta de Trump à Casa Branca já impacta diretamente a vida de milhões de imigrantes nos EUA. Os ataques aos direitos de pessoas sem documentação estão mais agressivos, com um aumento expressivo das operações de deportação e da separação de famílias.

Seu discurso xenofóbico e nacionalista se reflete em novas tentativas de barrar programas como o DACA, que protege imigrantes que chegaram ainda crianças ao país. A criminalização da imigração se intensifica com a ampliação da militarização na fronteira com o México e a reintrodução de políticas de detenção em massa de refugiados.

A demonização de imigrantes e o reforço do nacionalismo branco promovem uma onda de violência contra comunidades latinas e muçulmanas, aprofundando a desigualdade e o medo.

O impacto do trumpismo no Brasil

A influência de Trump não se limita aos Estados Unidos. Seu retorno ao poder fortalece a extrema-direita global e impulsiona lideranças conservadoras ao redor do mundo, como no Brasil, onde retrocessos nos direitos das mulheres e da população negra continuam se manifestando, muitas vezes sob uma roupagem mais sutil.

As falas recentes do presidente Lula, chamando Gleisi Hoffmann de “bonita” em um contexto de política institucional, revelam como o machismo estrutural ainda está presente, mesmo em governos progressistas. Ao reduzir uma mulher a sua aparência, o discurso reforça uma lógica de subordinação feminina e normaliza a desigualdade de gênero.

No outro extremo, o ex-presidente Bolsonaro, ao dizer que “filho é da mãe” e que a criança deve ficar mais com a mãe, reafirma a divisão tradicional dos papéis de gênero, onde a mulher é sempre vista como a única responsável pelo cuidado dos filhos. Esse discurso, aparentemente inofensivo, fortalece a ideia de que a mulher deve estar restrita ao espaço privado, enquanto o homem pode se isentar de suas responsabilidades parentais.

Essas falas mostram que o patriarcado pode existir independente de ideologia política: direita e esquerda, ricos e pobres, brancos e negros compartilham um pacto silencioso de manutenção do status quo. O combate ao machismo precisa ser central, e não acessório, na luta política. Por outro lado, é inegável que se há um lugar onde a luta feminista pode prosperar, é no campo progressista. Mas isso exige que a esquerda reconheça que o combate ao patriarcado deve estar no centro do projeto político, e não ser apenas um tema secundário ou usado de forma oportunista.

Governos conservadores como o de Trump atacam diretamente os direitos das mulheres e das minorias porque compreendem que a igualdade de gênero ameaça as bases do poder patriarcal. O feminismo é, antes de tudo, uma luta política – e por isso, jamais encontrará espaço dentro da extrema-direita.

Se quisermos construir um futuro verdadeiramente igualitário, precisamos mais do que derrotar governos autoritários: devemos transformar a esquerda em um espaço onde as mulheres, negras, LGBTQIA+ e todas as vozes historicamente silenciadas tenham protagonismo.

Os primeiros 100 dias do segundo governo Trump nem chegaram ao fim, mas são a prova de que o avanço conservador não está apenas consolidado – ele está mais rápido e agressivo do que nunca, atingindo um retrocesso espantoso.

A luta é urgente, a resposta progressista precisa ser intensa. Não há mais espaço para neutralidade ou complacência. A luta feminista não pode ser adiada, e certamente não há espaço para ela no campo da direita.

 

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum

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