Big Techs

A regulação das redes sociais atende a um clamor público

A aprovação de uma lei civilizatória, capaz de conter a escalada do crime organizado e da violência nas redes sociais, a intolerância, os manipuladores de vulneráveis, é uma tarefa do Congresso Nacional

Escrito em Opinião el
José Guimarães é deputado federal (PT-CE) e vice-líder da Minoria na Câmara.
A regulação das redes sociais atende a um clamor público
Mário Agra/Câmara dos Deputados

“Pai, me ajuda, me interna, que eu estou surtada”. Esse apelo feito pela filha adolescente ao pai, após ter participado numa rede social de um desafio de automutilação, representa o clamor da sociedade brasileira às autoridades competentes para que tomem providências, contenham a violência, a delinquência digital, a manipulação de vulneráveis, a disseminação de notícias falsas, o discurso de ódio, o neonazismo, abrigados nas Big Tachs.

A escalada do crime organizado nas redes e a ausência de uma lei de moderação de conteúdo levou a Advocacia-Geral da União a pedir ao Supremo Tribunal Federal uma decisão urgente para obrigar plataformas de redes sociais, que operam no Brasil, a impedirem a disseminação de notícias falsas e a violência digital. A Operação Sem Desconto, que investiga fraudes nas aposentadorias pagas pelo INSS, precipitou o pedido, devido a identificação, da plataforma Meta, de mais de 300 anúncios falsos com imagens manipuladas de figuras públicas e logotipos oficiais, prometendo falsas indenizações do INSS.

Por serem transnancionais, as Big Techs estão sujeitas às leis dos países onde prestam seus serviços. Como qualquer outra empresa estrangeira instalada no país. Cuidar das redes é cuidar da nossa soberania, é proteger a sociedade dos delinquentes digitais.

A difusão do neonazismo, por exemplo, condenado mundialmente – tornado crime em vários países - encontrou lugar nas plataformas digitais, com apologia explícita e incitação direcionada a jovens nas redes sociais.

Segundo a antropóloga Adriana Dias, professora e pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas, em três anos - considerando os anos de 2018 a 2021 - houve um crescimento de 270% de grupos neonazistas no Brasil, com expansão para as cinco regiões do país. Já são mais de 530 núcleos extremistas, com mais de 10 mil pessoas, que se comunicam pelas redes sociais fazendo apologia ao nazismo e incitando à violência.

O mundo avança na regulação legislativa dos serviços, dos mercados e das plataformas digitais. Estamos atrasados. A União Europeia tem a Lei de Serviços Digitais (DSA) e a Lei sobre Mercados Digitais (DMA). Considerada uma das mais modernas legislações de regulação dos serviços digitais do mundo, as leis da União Europeia impõem obrigações às plataformas de redes sociais, como o dever de cuidado, a remoção imediata de conteúdos ilegais, a transparência nos algoritmos e, se a lei não for cumprida, o banimento da plataforma.

Alemanha e Reino Unido também adotaram leis de segurança para as redes sociais, que responsabilizam as plataformas por conteúdos publicados, como o discurso de ódio, desinformação e manipulação da opinião pública com notícias falsas. Nos Estados Unidos, estados como a Flórida, possuem leis que restringem o acesso a redes sociais para menores de 14 anos. A Austrália aprovou a Lei de Segurança Online (“Online Safety Act 2021”), que proíbe acesso a redes sociais a menores de 16 anos. 

Aqui, o debate sobre a regulação dos serviços digitais das Big Techs foi suspenso no Congresso Nacional por negacionistas, gente que confunde o estabelecimento do espaço digital seguro, de garantia de direitos humanos, da ordem constitucional, da democracia, da soberania, com censura e cerceamento à liberdade de expressão. Gente que se beneficia da barbárie instalada no mundo digital, que não entende que não existe liberdade de expressão absoluta, ilimitada. Querem o anonimato, se escondem sob o manto da liberdade de expressão.

A aprovação de uma lei civilizatória, capaz de conter a escalada do crime organizado e da violência nas redes sociais, a intolerância, os manipuladores de vulneráveis, é uma tarefa do Congresso Nacional.

Nos próximos dias, o governo enviará ao Congresso um projeto de lei avançado, maduro, baseado nas mais modernas iniciativas do mundo, que institui, entre outros deveres, o “dever de cuidado”, ou seja, a responsabilização das plataformas pela veiculação em suas redes de conteúdos criminosos. O projeto prevê a retirada do ar de redes sociais que não estiverem adotando o chamado “dever de cuidado”. À Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD), também prevista no projeto, caberá a tarefa de fiscalizar as plataformas e remover os conteúdos ilegais.

O Congresso Nacional tem o dever de ouvir o clamor da sociedade e pautar o debate. Não pode ficar refém de agentes do obscurantismo, de fundamentalistas, extremistas, neonazistas, inimigos da democracia. O Brasil sofreu, recentemente, uma tentativa de golpe de Estado na qual as redes sociais foram decisivas na incitação ao crime contra o estado democrático de direito e ao rompimento da ordem constitucional. O País precisa avançar, dispor de uma legislação que proteja os direitos humanos e a democracia, para que possamos nos integrar ao grupo de nações desenvolvidas e democráticas do mundo.

*José Guimarães é advogado, Deputado Federal, PT/CE, e Líder do Governo na Câmara dos Deputados.

** Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

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