OPINIÃO

O custo das apostas online para a saúde mental - Por Vitor Friary

O caso recente da influenciadora Virginia Fonseca ilustra bem o problema. Pesquisas já demonstraram que quanto mais fácil o acesso ao jogo, maior a frequência, a impulsividade e o risco de dependência.

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Vitor Friary é psicólogo, Bàbáláwò e Doutorando em Estudos Africanos no Instituto Universitário de Lisboa. Mestre em Psicologia pela London Metropolitan University no Reino Unido, é autor de livros publicados no Brasil e no exterior, e fundador do Centro de Mindfulness no Brasil. Atua na interface entre saúde mental, práticas contemplativas, espiritualidade e cultura africana e afro-diaspórica, explorando os cruzamentos entre cuidado, ancestralidade e transformação social
O custo das apostas online para a saúde mental - Por Vitor Friary
Senadores Dr. Hiran (PP-RR), Soraya Thronicke (Podemos-MS) e Izalci Lucas (PL-DF).com a influencer Virgínia Fonseca na CPI das Bets. Marcos Oliveira/Agência Senado

O Brasil vive uma nova epidemia com sintomas silenciosos. Está nos stories, nos podcasts, nos patrocínios dos grandes times e, mais recentemente, no centro de uma CPI no Senado. As chamadas "bets", plataformas de apostas esportivas online, viraram um dos fenômenos mais lucrativos e perigosos do nosso tempo. Prometem dinheiro fácil, emoção instantânea e a ilusão de controle sobre o imprevisível. Mas, como toda promessa rápida demais, escondem armadilhas que já começam a cobrar seu preço.

O caso recente da influenciadora Virginia Fonseca ilustra bem o problema. Com mais de 50 milhões de seguidores, foi convocada a depor na CPI das Bets. Negou envolvimento com ganhos baseados nas perdas do público, mas evitou dizer quanto recebeu para promover plataformas de apostas. Sua postura defensiva e distante, escancarou uma verdade incômoda: muitos influenciadores seguem lucrando com esse sistema, como se isso não tivesse impacto nenhum na vida de quem os acompanha.

A realidade é outra. Pesquisas já demonstraram que quanto mais fácil o acesso ao jogo, maior a frequência, a impulsividade e o risco de dependência. Celulares e apps tornam possível apostar a qualquer hora: na cama, no ônibus, no trabalho. O jogo se infiltra no cotidiano sem aviso, em um mundo cada vez mais frenético e desatento. E o marketing dessas plataformas, com bônus e promessas de ganho fácil, multiplica o volume apostado de forma agressiva, ainda mais quando quem anuncia são celebridades com alto apelo emocional.

O impacto vai além do bolso. Dados recentes de um estudo publicado pelo National Bureau of Economic Research mostram que as apostas online não apenas reduzem a poupança e o investimento, como aumentam o endividamento, especialmente entre famílias de baixa renda. As bets não criam riqueza. Substituem sonhos por ciclos de perda.

O problema não está só no jogo, mas na forma como ele é vendido. Quando alguém ostenta supostas vitórias sem mencionar os riscos, ou se isenta dizendo "era só publicidade", é como se fosse possível anunciar cigarro ou bebida sem nenhum alerta. Mas o cigarro foi regulado. O jogo, não.

O mecanismo por trás do vício em apostas online se parece muito com o de outras dependências comportamentais, como o uso compulsivo de redes sociais ou jogos digitais. A liberação constante da dopamina a cada vitória, ou até mesmo a cada expectativa de ganhar a aposta, ativa os circuitos de recompensa do cérebro de forma semelhante ao que ocorre com drogas psicoativas. Essa estimulação artificial repetida reduz a sensibilidade do sistema nervoso ao prazer cotidiano, gerando um ciclo de busca crescente por estímulos mais intensos. O resultado é um comportamento compulsivo, marcado por impulsividade e uma constante desregulação das emoções.

Como psicólogo, vejo crescer o número de jovens e famílias viciados em jogos em sofrimento: endividados, ansiosos, deprimidos por perdas que se acumulam numa madrugada de apostas silenciosas. E ainda tratamos tudo isso como um entretenimento leve, promovido entre filtros, piadas e jingles.

Os efeitos desse ciclo não são apenas teóricos. Clínicas e serviços de saúde mental têm observado um aumento no número de pessoas e famílias inteiras impactadas por comportamentos compulsivos ligados ao jogo online. Os relatos envolvem endividamento, ansiedade, depressão e rupturas familiares. A aposta, quando se transforma em hábito, deixa de ser entretenimento e passa a comprometer o bem-estar emocional e social de quem joga.

Diante desse cenário, a ausência de regulamentação e a atuação pouco transparente de influenciadores e plataformas levantam questões, na minha opinião, urgentes sobre responsabilidade. O que está em risco não é apenas o dinheiro perdido em apostas, mas o modo como uma geração está sendo exposta, de forma contínua, a um sistema que explora silenciosamente fragilidades emocionais. A discussão pública sobre esse tema precisa avançar e incluir, sem exceção, todos os atores que participam dessa engrenagem.

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