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A penalização da cultura Afro no Carnaval 2025 - Por Vitor Friary

No Carnaval do Rio, uma das juradas causou grande polêmica ao descontar 0,3 pontos da Unidos de Padre Miguel alegando suposto "excesso de termos em iorubá". Isso reacende a reflexão sobre o racismo religioso estrutural.

Desfile da Unidos da Padre Miguel na Sapucaí em 2025.Créditos: Facebook / Unidos de Padre Miguel
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No Carnaval do Rio de Janeiro de 2025, uma das juradas causou grande polêmica ao descontar 0,3 pontos da Unidos de Padre Miguel, alegando um suposto "excesso de termos em iorubá" no samba-enredo 'Egbé Iyá Nassô’. O enredo prestava homenagem a Iyá Nassô, uma das fundadoras do candomblé no Brasil, e sua penalização levantou questionamentos sobre racismo religioso e despreparo técnico na avaliação dos desfiles. O caso foi amplamente criticado por especialistas e ativistas culturais.

Ao analisarmos os dados concretos, a justificativa da jurada se mostra não apenas infundada, mas também incoerente e seletiva. O samba-enredo da Unidos de Padre Miguel tinha um total de 248 palavras, das quais apenas 21 eram termos em iorubá, excluindo nomes próprios. Em comparação, o samba da Imperatriz Leopoldinense, "Ómi Tútú ao Olúfon – Água Doce para o Senhor de Ifé", contava com 270 palavras, sendo 24 delas em iorubá. Isso significa que a proporção de termos iorubás nos dois sambas era praticamente a mesma—8,47% na Unidos de Padre Miguel contra 8,89% na Imperatriz. No entanto, apenas a Unidos de Padre Miguel foi penalizada.

Isso revela que o critério utilizado pela jurada não se baseou em uma análise técnica ou artística. Essa disparidade na avaliação evidencia a falta de critério técnico e a influência de preconceitos enraizados em decisões que deveriam ser estritamente baseadas em mérito artístico e cultural. A ministra da Cultura, Margareth Menezes, classificou a penalização como "inaceitável" e um desrespeito à cultura afro-brasileira, enfatizando que o Carnaval sempre foi um espaço de celebração das raízes africanas no Brasil. Além disso, a própria Unidos de Padre Miguel anunciou que entraria com um recurso junto à Liesa para contestar o resultado e expor a incoerência na avaliação.

Este episódio reforça a necessidade urgente de capacitação dos jurados e de uma revisão nos critérios de avaliação do Carnaval. Não se pode admitir que, em pleno 2025, a presença de elementos culturais afro-brasileiros seja vista como um "excesso". O caso da Unidos de Padre Miguel reacende a reflexão necessária de assuntos importantes como o racismo religioso estrutural, que continua a deslegitimar e perseguir expressões da cultura afro-brasileira em espaços de grande visibilidade. Referências culturais ancestrais que integram a identidade brasileira. O Carnaval, enquanto grande manifestação artística,não pode compactuar com isso.

Vitor Friary é Babalawo e Doutorando em Estudos Africanos pelo Instituto Universitário de Lisboa e Mestre em Psicologia pela London Metropolitan University.

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