A vitória de Fernanda Torres no Golden Globes como Melhor Atriz em Drama por sua interpretação de Eunice Paiva no filme "Ainda Estou Aqui" não é apenas um marco para o cinema brasileiro. É também um tributo à força e à resiliência de mulheres que transformam desafios em legados históricos. Concorrendo com grandes nomes como Nicole Kidman e Angelina Jolie, Fernanda Torres trouxe para as telas uma das figuras mais emblemáticas da luta pelos direitos humanos no Brasil, unindo arte e história de maneira magistral.
Fernanda, ao receber o prêmio, destacou a inspiração que encontrou em Eunice Paiva, uma mulher que ela definiu como "essencial". Em entrevistas Fernanda explicou como Eunice, mesmo diante de um regime opressor e da dor pessoal de perder seu marido, Rubens Paiva, para a Ditadura Militar, manteve uma postura de "delicadeza combativa". Essa expressão revela a essência de Eunice: uma mulher que enfrentou a violência e a opressão com estratégia, persistência, e inteligência emocional.
Advogada, ativista, defensora dos direitos indígenas e mulher que transformou a dor do luto em luta política. Eunice simboliza o poder transformador da resiliência emocional. Psicologicamente, transformar uma perda devastadora em ação é um processo complexo que envolve enfrentar o luto, perceber emoções intensas e seguir em frente mesmo assim. Significa encontrar sentido no meio da adversidade e se comprometer com valores significativos de vida na presença da dor. Esse foi o caminho traçado por Eunice Paiva.
Após o desaparecimento de Rubens Paiva, em 1971, Eunice iniciou uma batalha de 25 anos para obter uma resposta oficial sobre o destino do marido. Esse longo processo de enfrentamento e busca por justiça demonstra como a capacidade de ressignificar experiências dolorosas pode sustentar a saúde mental e fortalecer a determinação. Em 1996, ela finalmente recebeu o atestado de óbito, dois anos antes de fundar o Instituto de Antropologia e Meio Ambiente (IAMA), reafirmando seu compromisso com os direitos humanos e provando que a resiliência pode transformar sofrimento em legado.
Além disso, Eunice foi uma das responsáveis por pressionar o governo para a promulgação da Lei nº 9.140, em 1995, que reconheceu como mortos os desaparecidos políticos da ditadura. Esse marco permitiu que famílias finalmente tivessem acesso às certidões de óbito de seus entes queridos, encerrando décadas de incerteza e silêncio, e permitindo um luto digno da perda de um familiar.
Fernanda Torres, ao interpretar Eunice, dá vida a um dos papeis mais desafiadores de sua carreira. Sua própria jornada na atuação é um exemplo de resiliência, dedicação e reinvenção constantes. Com uma carreira consolidada no Brasil, foi apenas agora, ao conquistar o Golden Globes, que recebeu um reconhecimento internacional de tamanha magnitude sendo a primeira atriz brasileira a receber a premiação. Sua vitória, como ela mesma afirmou, é uma celebração de todas as mulheres que lutam para ocupar espaços, superar barreiras e contar histórias que precisam ser ouvidas.
A história de Eunice Paiva e a conquista de Fernanda Torres nos lembram que resiliência é uma qualidade humana cultivada no enfrentamento dos desafios mais difíceis da vida. Seja na luta por justiça, como Eunice, ou na busca por reconhecimento em um meio competitivo, como Fernanda, a resiliência exige não apenas força, mas também cuidado emocional. Celebrar essas histórias é reconhecer o poder transformador das mulheres em todas as esferas da vida, da arte à luta pelos direitos humanos. A conquista de Fernanda Torres no Golden Globes é mais do que um prêmio: é um chamado para reconhecermos a força das narrativas femininas e a importância da resiliência em todas as suas formas.
*Vitor Friary é psicólogo e mestre em psicologia pela London Metropolitan University. É autor de livros publicados no Brasil e nos Estados Unidos. Atualmente é doutorando no Instituto Universitário de Lisboa e diretor do Centro credenciado de formação e tratamento em Mindfulness-based Cognitive Therapy (MBCT) no Brasil.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.