A recente visita da ministra da Cultura, Margareth Menezes, ao Benim, durante o Festival Vodun Days, representa um marco no processo de reafricanização cultural entre os dois países. Esse festival, que celebra as profundas raízes espirituais e culturais do povo beninense, não é apenas um evento tradicional, mas um chamado para fortalecer os laços com a ancestralidade africana que é um fundamental alicerce cultural do Brasil.
A presença da ministra e sua comitiva, visitando locais sagrados como o Museu Panthéon Noir et Africain e a Grande Mesquita em Porto-Novo, simboliza mais do que um gesto diplomático. Porto-Novo, conhecida como a cidade mais brasileira do Benim, guarda um legado vivo da conexão histórica entre os dois países. O museu, com seu memorial em homenagem às vítimas da escravidão, retrata uma árvore quase sem folhas, representando os milhões de africanos exilados de seu continente. Já as folhas que começam a brotar simbolizam os que permaneceram no Benim ou retornaram, apontando para o futuro do continente africano.
Trata-se de uma reconexão espiritual e cultural, um resgate das tradições trazidas pelo povo Jeje ao Brasil, que difundiu aqui o culto aos voduns e outros elementos de sua cosmovisão. Esses encontros renovam a importância de celebrar e preservar essas práticas como parte vital da identidade afro-brasileira.
A instalação do Comitê de Implementação dos Acordos Culturais é um passo significativo para promover intercâmbios nas artes, no audiovisual e no patrimônio cultural. Mais que isso, representa um avanço no movimento pan-africanista do Benim, que busca reafirmar o orgulho pela ancestralidade e fortalecer a unidade entre os povos africanos e suas diásporas. No Brasil, esse movimento de reafricanização é uma resposta ao racismo estrutural e ao apagamento histórico, revitalizando tradições religiosas, linguísticas e artísticas de matriz africana.
A ministra Margareth Menezes destacou que a missão é uma oportunidade de expandir e fortalecer a relação entre Brasil e Benim. O Ministro da Cultura do Benim, Jean-Michel Abimbola, reforçou essa visão ao afirmar que a parceria abre caminhos para projetos de reconexão, promovendo intercâmbios culturais que permitem que os "irmãos não fiquem mais separados".
De fato, essa parceria tem o poder de trazer benefícios duradouros, desde a valorização das tradições até o fortalecimento da autoestima das comunidades afrodescendentes no Brasil. Ela resgata um legado ancestral que, longe de ser apenas memória, é força criadora e transformadora.
Na minha recente visita ao Benim, tive o privilégio de conhecer várias famílias com sobrenomes portugueses que, após sua libertação no Brasil, retornaram ao continente africano. Essas famílias levaram consigo heranças culturais e sociais brasileiras e, mesmo distantes, mantêm um vínculo emocional profundo com o Brasil, sentindo-se ainda parte dele. Essa convivência carrega em si uma mistura complexa de memórias dolorosas, busca por pertencimento e uma potente reconexão com suas raízes. É exatamente esse processo que iniciativas como as promovidas pelo Ministério da Cultura podem aprofundar, gerando frutos significativos e transformadores.
Ao vivenciar de perto a rotina dessas famílias, repleta de ricas tradições culturais e religiosas, senti uma alegria que ecoou em meu próprio coração como adepto do Candomblé e da espiritualidade Vodun. Essa mesma emoção acredito que poderá tocar muitos brasileiros, especialmente aqueles que, como os adeptos do Candomblé Jeje, buscam uma ligação mais profunda com a África.
A reafricanização é mais do que um resgate histórico; é um retorno às nossas origens compartilhadas e um poderoso lembrete de que as tradições africanas são uma força viva. Elas transcendem o passado para nos transformar no presente, alimentando um futuro enraizado na ancestralidade e na união entre os povos.
*Vitor Friary é Babalawo e Sacerdote no Candomblé de Vodun Jeje Savalú. Atualmente é Doutorando em Estudos Africanos no Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa
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