Sóstenes Cavalcante: o bebê reborn de Malafaia - por Pastor Zé Barbosa Jr
Ele parece real, mas não é. Está ali sem vontade própria e sem escrúpulo algum para a glória de seu grande mentor e inventor a serviço do que há de pior na política brasileira
No teatro cínico (mas não cívico) e cada vez mais escancarado da política brasileira, certos personagens não escondem que são marionetes, mas ainda assim esperam ser aplaudidos como protagonistas. É o caso do deputado federal e pastor evangélico Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), cuja trajetória no Congresso mais se assemelha a um boneco de ventríloquo movido pelas vontades do empresário da fé Silas Malafaia. Sóstenes, ao longo dos últimos anos, consolidou-se não como um agente político independente, mas como o “bebê reborn” de Malafaia — um fantoche cuidadosamente maquiado para parecer novo, mas que apenas repete, com verniz parlamentar, os discursos e interesses do seu criador.
Malafaia, conhecido por sua retórica agressiva, seu poder midiático e seus interesses corporativos no mundo gospel, há muito compreendeu que o púlpito não basta. Para proteger seus negócios, fortalecer sua influência e pautar o país sob os dogmas do conservadorismo religioso, ele precisava de um avatar no Congresso. Encontrou em Sóstenes a peça perfeita: dócil, obediente, alinhado teologicamente e sem grandes ambições próprias. O deputado, eleito com o voto da fé, tornou-se um agente fiel do fisiologismo mais desgraçado, aquele que se reveste de cruz para ocultar o balcão de negócios que opera nos bastidores de Brasília.
O fisiologismo de Sóstenes se expressa menos na barganha direta por cargos — embora isso também ocorra — e mais na aliança espúria entre o poder religioso e o legislativo. Sua atuação parlamentar serve sobretudo para atender a uma pauta moralista que, embora apresentada como ética cristã, na prática funciona como escudo para interesses econômicos e ideológicos de um segmento evangélico empresarial. Em nome de Deus, o "bebê reborn" atua contra direitos civis, tenta sabotar políticas públicas de gênero e diversidade, e age como cão de guarda dos lucros de líderes como Malafaia, que operam como verdadeiros CEOs da fé.
Ao invés de representar a pluralidade de evangélicos brasileiros — que são, em sua maioria, pessoas pobres, negras e periféricas, com demandas sociais reais — Sóstenes se limita a ser o porta-voz do fundamentalismo político e do capitalismo gospel. Seu mandato serve menos ao povo e mais à manutenção do império de Malafaia. Em votações decisivas, como as que envolvem o financiamento público de igrejas, a imunidade tributária de instituições religiosas ou a censura de conteúdos artísticos e educacionais, lá está ele, cumprindo o script do patrão.
Mais grave ainda é sua atuação dentro da bancada evangélica, onde disputa espaço de influência ao custo de alianças com o que há de mais retrógrado na política nacional. Sua aproximação com o bolsonarismo, sua adesão às pautas armamentistas e seu silêncio diante da miséria crescente escancaram sua prioridade: manter o poder da religião institucionalizada, mesmo que isso signifique pisar nos princípios do Evangelho que ele diz defender. Cristo, em sua pregação, enfrentava os vendilhões do templo; Sóstenes, por sua vez, os serve com diligência.
A analogia do “bebê reborn” não é gratuita. Assim como esses bonecos hiper-realistas que simulam a vida sem vivê-la, Sóstenes Cavalcante simula independência, autoridade e fé genuína, mas é, no fundo, uma criação manipulável, movida a interesses de terceiros. Sua figura no Congresso representa o fracasso de uma liderança religiosa que trocou o serviço pela submissão, a profecia pela propaganda, e a política pelo proselitismo.
A democracia brasileira, já tão ferida por conchavos e corrupção, encontra em figuras como Sóstenes um exemplo de como o sagrado pode ser instrumentalizado para fins profanos. Quando um parlamentar se torna mero reflexo dos interesses de um líder religioso midiático, perde-se o espírito da República. Sóstenes Cavalcante não é um pastor no Congresso. É um produto. Um produto embalado por versículos, vendido como autoridade espiritual, mas feito para servir a um projeto de poder que nada tem de divino.
A crítica aqui não é à fé evangélica do povo simples, mas ao uso cínico da fé como trampolim para privilégios. Não se trata de atacar a religião evangélica, mas de denunciar o sequestro de sua representação institucional por figuras como Malafaia e seus pupilos, que fazem da Bíblia uma mercadoria e do púlpito um palanque. Sóstenes, nesse cenário, não passa de um bibelô político: bonito na vitrine da moralidade, mas vazio de substância ética, movido apenas pelos ventos dos interesses alheios.
Se o Congresso quer se livrar da pecha de “bancada do atraso”, precisa começar por expor esses arranjos escusos entre poder religioso e fisiologismo político. E os fiéis brasileiros, por sua vez, devem compreender que ser evangélico não exige votar em quem se diz evangélico — sobretudo quando esse alguém já entregou sua alma, não a Deus, mas ao marketing de púlpito de um empresário da fé, Silas Malafaia, e este, por sua vez, um “pastor reborn” a serviço de Bolsonaro.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.