A Inclusão das Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho - Álvaro Quintão
Uma reflexão sobre a inclusão como construção coletiva e imperativo de humanidade em uma década de desafios e esperança.
Em 2025, a Lei Brasileira de Inclusão completa uma década. Mais que um marco jurídico, ela desenha um horizonte: o da cidadania construída nas ruas, nas escolas, nos locais de trabalho, no abraço cotidiano da vida. Esta data pede menos celebração e mais consciência — a consciência de que a inclusão ainda caminha aquém da promessa.
Para marcar este momento, lanço, pela Kotter Editorial, o livro A Inclusão das Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho. Nele, busco traduzir a angústia de quem, há mais de três décadas, presencia a assinatura de Acordos e Convenções Coletivas de Trabalho que, embora consagrem direitos às pessoas com deficiência, muitas vezes os desrespeitam ou simplesmente os ignoram.
A obra pretende chamar a atenção para uma realidade ainda cruel: a de que, apesar da política de cotas, a discriminação persiste.
Segundo a PNAD Contínua, divulgada em agosto de 2024, o Brasil abriga 18,6 milhões de pessoas com deficiência — quase 9% da população. São vidas que pedem passagem, não concessão; presenças que desafiam muros antigos, invisíveis, mas tão sólidos quanto pedra.
Os números escancaram o abismo: apenas 4,7% dos empregos formais abrigam pessoas com deficiência; menos de 30% concluem o ensino médio. A porta da educação fecha-se cedo; a do trabalho, adiante, emperra. Quem deveria caminhar encontra escadas onde faltam rampas, muros onde deveriam existir caminhos.
A Lei e a Convenção da ONU, ambas com força constitucional, não faltam. Falta fazê-las pulsar nas veias da sociedade — em cada edital público, em cada projeto pedagógico, em cada esquina da cidade. Rampas não são gestos de benevolência; legendas e Libras não são caprichos modernos. São ferramentas que abrem mundos. São chaves de cidadania.
É urgente abandonar a lente antiga que enxerga a deficiência como carência. A barreira está fora, não dentro. Não é a pessoa que “tem um problema”; é o sistema que ainda não aprendeu a ver a pluralidade como regra.
E há mais: dentro da deficiência habitam múltiplas histórias. Mulheres negras, pobres, LGBTQIA+, com deficiência, enfrentam discriminações que se cruzam como espinhos. A inclusão real exige ouvidos atentos a todas essas vozes — sem hierarquizar dores, sem silenciar existências.
Há sinais de mudança. Em 2025, o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público junto ao TCU elegeram a pessoa com deficiência como prioridade. Agora se exigem metas, orçamentos, compromissos. Inclusão deixa de ser gentileza e torna-se responsabilidade.
Temos o mapa. Falta atravessar a estrada. É urgente agir: tornar toda a arquitetura, toda a tecnologia e todo o serviço acessíveis desde o nascedouro; reconstruir a escola, formando professores que ensinem para todos; e transformar as cotas em um caminho vivo, sustentado por fiscalização, incentivo e dignidade. A inclusão não pode ser um remendo tardio: deve ser o princípio que orienta cada projeto, cada política, cada gesto.
"Incluir" é um verbo que exige o corpo inteiro: olhos que enxergam, mãos que constroem, corações que acolhem a diferença sem medo. Quando abrimos espaço para a pessoa com deficiência, ampliamos a liberdade de todos.
Esta década nos convoca a provar quem somos. Que sejamos dignos desse chamado.