Portugal: Apagão foi assustador, mas o que vi chega a ser hilário
Desespero maluco e desproporcional tomou as pessoas. Primeiro-ministro perdido no rolê. Todo mundo na rua, gente com 20 garrafas d’água, sacos de comida e toneladas de pilhas
De LISBOA | Durmo muito tarde porque fico no ar no Jornal da Fórum até as 22h no horário brasileiro, ou seja, 2h em Lisboa. Até pregar os olhos já são 3h, o que me faz acordar por volta das 10h30 ou 11h todos os dias. Nesta segunda (28), exausto, resolvi dormir mais e acordei com o despertador às 11h30. Assim que abri os olhos, notei que a internet de casa não funcionava. Não esquentei e parti para usar meu serviço de dados móveis. Aí começaria uma epopeia.
Incialmente até era possível encaminhar algumas mensagens, mas a conexão era precária. Foi tempo de conectar nas redes e meios portugueses para descobrir que um apagão energético atingia uma parte da Europa, sendo Portugal e Espanha os pontos críticos do problema. Mais vinte minutos e o país caiu num buraco negro. Sem luz, sem telefonia, sem internet por dados móveis, enfim, para se comunicar a distância só mesmo saindo na janela e berrando.
Não sei se por intuição, imaginei que a coisa poderia ser mais séria. Mudei de roupa, lavei o rosto e fui numa grande loja distribuidora de “produtos importados em geral”. No Brasil, era o caso de dizer “vou ali no China e já volto”.
Quando cheguei à grande loja, a porta do estabelecimento estava lotada de gente. Dentro do recinto, pior ainda. Correria, falatório, gente desesperada. Cheguei a ver duas mulheres jovens chorando. As pessoas estavam carregando maços e maços de pilhas, pacotes e pacotes de vela, algumas com três ou quatro lanternas, cordas e barbantes, feixe de lenha, baldes. Por que cargas d’água alguém precisaria de corda e balde num apagão energético? Sei lá. Só sei que iria ver coisas ainda mais engraçadas.
Peguei um rádio de pilha de sete euros, com AM e FM, e uma caixinha com quatro pilhas AAA. Uma lanterna de três euros também me teria serventia. Velas já tinha em casa. Voltei pela mesma rua e pelo caminho via gente carregando imensas sacolas com comida, vários garrafões de água mineral e uma infinidade de bugigangas à la anos 90, movidas a pilha. Ah, claro, e muitas pilhas, muitas mesmo.
Liguei o radinho e a Antena 1 e todas as emissões da RTP estavam unificadas. Nesse sentido, o sistema de comunicação de emergência funcionou de forma impecável, diferentemente do primeiro-ministro insosso Luís Montenegro, um sujeito daqueles que dá sono na oratória. E olha que mesmo diante do “grande acontecimento do século” em Portugal ele seguia perdidão no rolê. Suas explicações lembravam o inesquecível Rolando Lero, interpretado pelo saudoso Rogério Cardoso, na Escolinha do Professor Raimundo. Ao mesmo tempo em que sugeriu durante o dia umas quatro ou cinco causas para o blecaute caótico, Montenegro não confirmava nenhuma das hipóteses e seguia dando declarações prolixas, sonolentas e repletas de nada.
Imaginando que o apagão poderia durar muito mais, saí de casa novamente por volta das 16h e fui comprar mais pilhas no China. Quando entrei na loja, parecia que um furacão tinha passado pelo local. Centenas de aparelhos de rádio, de mais de 25 modelos e tamanhos diferentes, tinham acabado. Não havia nem vela aromática mais. Pilhas também já tinham acabado, mas o chinês que me atendeu, com um sorrisinho de canto de boca, colocou a mão embaixo de uma montanha de caixas de papelão vazias e retirou dois pacotinhos para mim. Ele olhava para os lados e me empurrava o produto discretamente, como se fosse um traficante.
Pensei em comprar pão, já que não teria como fazer comida quente, pois em casa o fogão é do tipo cooktop, elétrico. Percorri um trajeto total de uns três quilômetros até retornar para casa e não havia um pãozinho sequer em dezenas de padarias e pequenos mercados, todos com filas imensas na calçada. Na porta de grandes redes varejistas (passei por cinco), as filas se estendiam por centenas de metros, com gente já carregando sacolas cheias. De algumas saíam folhas das verduras, em outras era possível ver o tecido esgarçando pelo peso de pelo menos meia dúzia de refrigerantes de dois litros. Isso para não falar nos postos de gasolina, lotados e com gente desesperada para abastecer seus veículos.
No caminho todo a cena se repetia, com gente e mais gente andando pelo meio da rua com sacolões repletos de comida e grandes fardos com muitas garrafas d’água. Muitos carros buzinando, semáforos apagados e os já superfumantes portugueses fumando mais do que o habitual pelas calçadas. Ah, acabou o cigarro também.
No que diz respeito à gestão de hospitais e de outros locais críticos, nada de incomum se passou. Houve acionamento de geradores e os caminhões-pipa com combustível entraram em operação especial abastecendo esses pontos, escoltados pela polícia. Não houve qualquer registro de tragédias que tenham sido ocasionadas pela falta de luz. Uma exceção, embora não trágica, foram os aeroportos, que colapsaram. O da capital foi o mais afetado.
O fato é que, ao chegar de volta em casa, eu apenas me perguntava o porquê daquilo tudo. Só não havia energia e internet, não era um apocalipse nuclear ou algo do tipo. Mas para os portugueses foi demais. Não os culpo, talvez eu esteja acostumado com os apagões repetidos e já familiares do Brasil. Mas diante do caos, a reação dos moradores da estreita franja ocidental da Península Ibérica foi bastante hilária. Mais do que eu esperava para uma situação assim.