OPINIÃO

Justiça amordaçada: CNJ impõe silêncio à advocacia – Por Álvaro Quintão

Resolução do CNJ impõe sustentação oral gravada, restringindo a atuação da advocacia e comprometendo o direito de defesa nos tribunais

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A recente Resolução nº 591/2024, aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), impõe aos advogados a obrigação de apresentar sustentações orais por meio de vídeos gravados, impossibilitando a intervenção direta nos julgamentos. Tal medida representa um retrocesso inaceitável para a advocacia e um ataque frontal ao direito de defesa.

A sustentação oral é uma das mais importantes prerrogativas do advogado, garantida pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Advocacia. Além de permitir que a defesa dialogue diretamente com os magistrados, ela viabiliza a resposta imediata a questionamentos e novos argumentos que possam surgir durante o julgamento. A impossibilidade dessa interação prejudica a busca pela verdade real, pois impede que o advogado rebata interpretações equivocadas ou apresente esclarecimentos essenciais no momento oportuno, enfraquecendo, assim, a efetividade do contraditório e o direito de defesa. 

Ela permite que a defesa dialogue diretamente com os magistrados, esclarecendo pontos importantes do processo e respondendo a eventuais questionamentos surgidos no calor do julgamento. A exigência de uma sustentação gravada reduz o advogado a um espectador de um ato decisório que deveria ser permeado pelo contraditório dinâmico e pela interação direta entre as partes.

Além disso, a nova regra ignora a realidade dos tribunais brasileiros, nos quais, muitas vezes, os votos dos relatores são apresentados durante a própria sessão de julgamento. Como pode um advogado rebater argumentos e nuances surgidas no debate entre os magistrados se sua intervenção já estiver rigidamente fixada em um vídeo gravado dias antes? O processo judicial não é uma mera formalidade burocrática; é um espaço de construção dialética onde a ampla defesa e o contraditório devem ser assegurados de maneira plena e efetiva.

Outro ponto preocupante é a clara desproporção dos impactos dessa medida. Advogados autônomos e pequenos escritórios enfrentam limitações tecnológicas, como equipamentos inadequados e conexão de internet instável, o que compromete a qualidade das sustentações gravadas. Além disso, a produção de vídeos de boa qualidade pode gerar custos adicionais significativos, criando uma barreira financeira para profissionais com menos recursos. 

Isso agrava ainda mais a desigualdade no acesso à justiça, favorecendo grandes bancas com infraestrutura sofisticada e prejudicando aqueles que dependem de uma atuação mais acessível e humanizada nos tribunais. Grandes escritórios de advocacia, com estrutura tecnológica e recursos para a produção de materiais de alta qualidade, podem até se beneficiar desse modelo. Já os advogados autônomos e aqueles que atuam em pequenas bancas, especialmente no interior do país, enfrentarão dificuldades técnicas e logísticas para atender a essa nova exigência. Isso aprofunda as desigualdades no acesso à Justiça, favorecendo aqueles que têm maior poder econômico e prejudicando a ampla maioria da advocacia brasileira.

O CNJ justificou a medida sob o argumento de modernização e celeridade dos julgamentos. No entanto, modernizar não pode significar reduzir o papel da defesa a um elemento meramente decorativo. Celeridade não pode ser alcançada ao custo da justiça e da equidade.

Diante desse cenário, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e toda a classe advocatícia deve se mobilizar contra esse retrocesso. O direito de defesa não pode ser sacrificado no altar da eficiência administrativa. O CNJ deve rever essa resolução e restabelecer a possibilidade de sustentação oral direta, garantindo que o advogado possa exercer plenamente sua função de defensor da justiça e dos direitos fundamentais. A história nos ensina que toda vez que se tolhe a voz da advocacia, o verdadeiro prejudicado é o cidadão. Não podemos aceitar esse silenciamento. A defesa não pode ser gravada; a justiça precisa ser viva.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum

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