MARCELO UCHÔA

Big techs e democracia

Hoje, redes sociais são arenas abertas à disseminação de desinformação, discursos de ódio e teorias conspiratórias, com algoritmos, por sua vez, projetados para maximizar o engajamento da extrema-direita, priorizando conteúdos moralmente apelativos e narrativas extremistas

Créditos: Pixabay
Escrito en OPINIÃO el

O recente anúncio de Mark Zuckerberg de que eliminará sistemas de verificação em suas plataformas sociais, igualando-se ao nível rasteiro de irresponsabilidade política de Elon Musk, assustou o mundo nesta última semana. Em anos recentes, a crescente influência de grandes empresas de tecnologia, como Meta (antigo Facebook) e X (antigo Twitter), na dinâmica global, com ou sem verificação efetiva de conteúdo, por si só, gerou intensos debates sobre os limites da liberdade de expressão e os riscos que tais plataformas representam para a estabilidade democrática de nações soberanas.

A relação promíscua e nem um pouco comedida de big techs com os movimentos de extrema-direita é um exemplo insofismável de como os interesses econômicos e políticos comunicam-se em convergência, impondo riscos permanentes à estabilidade de governos democráticos. Casos emblemáticos, como o impeachment fraudulento da ex-presidenta Dilma Rousseff em 2016 e a tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023, para não falar da eleição de um minúsculo à presidência da República em 2018 e sua saga negacionista durante a pandemia de Covid-19, ilustram como as plataformas têm sido instrumentalizadas por grupos extremistas para atacar valores civilizatório-democráticos e a própria democracia.

Hoje, redes sociais são arenas abertas à disseminação de desinformação, discursos de ódio e teorias conspiratórias, com algoritmos, por sua vez, projetados para maximizar o engajamento da extrema-direita, priorizando conteúdos moralmente apelativos e narrativas extremistas. É a era do capitalismo de vigilância, transformando a polarização em produto rentável, sem qualquer contrapartida de transparência, via mecanismos confiáveis de moderação de conteúdo. Pior, cotidianamente justificada pelo falacioso argumento de ameaça à liberdade de expressão, bravata que advoga contra o pilar ético de inexistência de bens jurídicos absolutos, ainda mais da liberdade de expressão que, numa sociedade democrática, deve projetar-se concomitantemente a outros valores fundamentais, como dignidade humana, igualdade e segurança coletiva.

Permitir que discursos extremistas floresçam sob o pretexto da liberdade de expressão, além de enganação, significa apoiar a implosão de instituições democráticas, já que discursos que encorajam a ideia são, a priori, pautados em incitação do ódio, promoção de violência e busca de deslegitimação de governos eleitos.

A concentração de poder nas mãos das big techs hoje é acompanhada pela concentração expressiva da renda mundial, o que agrava sobremaneira o dilema. No capitalismo moderno (digital, financista e 100% predatório), as big techs atuam em lógica monopolista, acumulando dados e angariando divisas financeiras ilimitadamente. A eliminação da concorrência permite que as transacionais influenciem diretamente na definição de políticas públicas e processos eleitorais, como evidenciado nos últimos anos mundo afora.

Não é tarefa fácil enfrentar a crise que ora se apresenta, porém, repensar um modelo de governança global das big techs é o mínimo irrefutável que deve ser almejado. Devem ser exigidas maior transparência em algoritmos, moderações de conteúdo, auditorias e imposição de limites claros à disseminação de conteúdos nocivos. Urge que exista uma regulação internacional robusta que combata o monopólio, viabilize a descentralização e responsabilize as big techs por seus impactos sociais negativos.

Não sendo possível extinguir de vez o neoliberalismo predatório que se impôs irresponsavelmente ao ideário de bem-estar social burguês-moderado, que se ponham, pelo menos, em marcha, enquanto ainda há tempo, alternativas inteligentes e sustentáveis ao enfrentamento da força das big techs, que, no caso em específico, significam investimento em educação digital, fortalecimento da mídia independente e estímulo de tecnologias éticas e descentralizadas, sobretudo locais, como redes sociais de código aberto e modelos cooperativos.

É essencial que governos e sociedade civil atuem em conjunto para garantir que as tecnologias sirvam como ferramentas de fortalecimento democrático, e, não, como instrumentos de desestabilização. A verdadeira liberdade de expressão só floresce em ambientes onde a pluralidade de vozes é respeitada, porém, desde que sob regras que franqueiem a proteção de valores fundamentais à sustentação da democracia.

A propósito, é animador escutar as declarações do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, e do Advogado Geral da União, Jorge Messias, de que no Brasil, independentemente de qual seja a plataforma social, somente operará aquela que respeitar as leis nacionais. Significa que a luta pela verdade e pela manutenção dos postulados democráticos seguirão sendo tratados como prioridade da República. Que o mesmo comprometimento se estenda a outras nações.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum

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