Hoje, 31 de julho, é a data que marca os 10 anos da inauguração do maior símbolo do neopentecostalismo brasileiro, em toda sua idiossincrasia: o Templo de Salomão. Ícone da religiosidade sincrética entre judaísmo e evangelicalismo brasileiro e uma obra faraônica que serve aos interesses do projeto de poder de Edir Macedo e sua trupe, a tal réplica do histórico templo bíblico do filho do Rei Davi recebeu durante todo esse tempo milhões de fiéis e autoridades das mais variadas, como políticos de todos os espectros de uma democracia, ou não.
Mas valho-me dessa coluna para lembrar a primeira e única vez em que estive no Templo de Salomão. Obra do acaso, mas que me rende até hoje uma boa história. Eu morava em São Paulo, ali pelos idos de 2015 quando tive que atender um cliente (eu trabalhava como gestor de contas de uma multinacional – vulgo vendedor gourmet paulistano da Faria Lima) num sábado (exigência dele, pois normalmente só trabalhava de segunda a sexta), na Avenida Celso Garcia, no Brás.
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A reunião foi rápida, e cedo. Eram 9 e meia da manhã quando eu saí do escritório do tal cliente e me dei conta de uma coisa: eu estava exatamente ao lado do famoso Templo de Salomão. Curioso e intrépido, não resisti, ao ver que estava repleto de gente e que dali a 20 minutos começaria um culto naquela suntuosa construção. Entrei na fila que já se avolumava para poder entrar no tão falado templo. Já achei estranho isso, as filas eram muitas e, na ponta delas, obreiros altos e fortes (seguranças, na verdade) faziam o famoso “pente fino” no público que desejava assistir a reunião. Com direito a detector de metais e tudo o mais.
Ao ser abordado, o detector acusou o meu celular e descobri então que não poderia entrar com o meu aparelho. Sim! São proibidos os aparelhos celulares no Templo de Salomão. Provavelmente para não tirar a atenção da plateia, pode pensar o mais desavisado dos seres, mas nós sabemos o porquê. Não se quer imagens, a não ser as oficiais, do que se passa lá dentro. Fui informado, então, que no estacionamento no subsolo havia centenas de guarda-volumes, onde eu poderia deixar o celular e voltar para, então, entrar. Assim o fiz. Confesso que fiquei assustado com a grandiosidade do estacionamento e as centenas de armários para armazenar os pertences de quem quisesse ter aquela experiência.
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Entrei. A coisa é maior do que se imagina. De deixar catedrais católicas no chinelo quanto à sensação diminuta que causa em cada um estar naquele lugar gigantesco. 55 metros de altura (quase um prédio de 20 andares) e espaço para 10 mil pessoas. Música ambiente enquanto as milhares de pessoas iam se ajeitando nos confortáveis assentos para aguardar o início da atividade eclesiástica daquela manhã, que seria dirigida por ninguém menos que o próprio Bispo Edir Macedo, para minha surpresa e “ansiedade curiosística”. O que eu iria ver? Será que aguentaria? Fiz um esforço e continuei.
Lá no altar, distante, um véu cobria o espaço do “altar” e por trás dele percebia-se a gravura em relevo da arca da aliança, símbolo maior da presença de Deus no Antigo Testamento. De repente, abre-se o véu e uma figura minúscula aparece e dirige-se ao púlpito. Minúscula pela distância em que eu estava, mas conseguia vê-lo melhor no telão lateral: Ele mesmo, o dono da coisa toda, Bispo Macedo.
O culto foi todo centrado em sua pessoa. Ele é quem fazia as orações, puxava as canções, acompanhado por um tecladista que não consegui achar, fazia as leituras, comentários, anúncios... ninguém além dele falou naquela manhã de sábado. E eu aguardava, cada vez mais curioso, o momento da mensagem e do pedido das ofertas. Para meu espanto, foi o momento mais simples e rápido. Ele simplesmente abriu dizendo que era o momento das ofertas e que Deus estava ali para recebe-las, ao que o povo prontamente atendeu. Milhares de pessoas levantava seus envelopes repletos do fruto do seu trabalho para aquele momento.
Imediatamente, Macedo toma a Bíblia e começa a ler, para minha total surpresa, o relato do Evangelho onde Jesus entra e expulsa os vendilhões do templo, que extorquiam o povo e foram expulsos por Jesus na base do chicote. É isso mesmo, amigos, acreditem se quiser: naquela manhã o bispo Edir Macedo pregou sobre “os mercadores da fé”, e confesso que foi um sermão quase “perfeito” em sua hermenêutica e exegese, de verdade. Se eu não soubesse diante de quem eu estava, e não tivesse toda a gama de informação que tinha, eu teria grandes chances de acreditar que estava diante de um homem simples, que jamais explorou a fé de alguém e que, ao contrário disso, ainda era um profeta contra aqueles que fazem negócio da fé alheia.
Naquele dia eu tive a real percepção de como e porque tudo aquilo funciona tão bem. Lembrei-me do texto bíblico onde Jesus diz que “hão de surgir falsos cristos e falsos profetas, e farão grandes sinais e prodígios; de modo que, se possível fora, enganariam até os escolhidos.” Eu não tinha dúvidas de que estava diante de um deles. Saí dali embasbacado com toda artimanha e projeto de poder tão bem construídos pelos verdadeiros mercadores da fé. Fiquei triste ao ver tanta gente enganada em sua honesta fé e crença e como os poderosos estão cada vez mais articulados e preparados para enganar o povo. E isso tudo em nome de Deus.
Nunca mais voltei lá. E espero não voltar. Não tenho o que fazer ou compactuar com aqueles mercenários da religião, empresários eclesiásticos que corrompem a fé simples do povo em moeda de troca de uma religiosidade tacanha, capitalista e abusiva. Mas hoje, ao ler uma notícia sobre os 10 anos de inauguração daquele centro de poder religioso, me veio toda essa lembrança e decidi compartilhá-la com você, leitor da Fórum.
Que Deus tenha misericórdia de nós!
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.