Quis o destino que o jornalista, pesquisador, historiador e também compositor Sérgio Cabral tivesse a sua imensa e impecável biografia ofuscada pela do filho, o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral Filho. O político, como todos sabem, é corrupto confesso e foi preso em 2016 pela operação Lava Jato.
Ao contrário do filho, o Sérgio Cabral pai guardou em sua trajetória uma colaboração inestimável para a compreensão da nossa música, além de ser um profundo conhecedor das escolas de samba do Rio de Janeiro. Sobre o assunto lançou, em 1996 o fabuloso “As Escolas de Samba do Rio de Janeiro”.
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Antes disso, no entanto, Cabral foi editor de política do lendário jornal Última Hora e, ao lado de Jaguar e Tarso de Castro, fundou nada mais nada menos do que O Pasquim. O semanal foi responsável pela invenção de uma nova linguagem, misturando charges com textos, entrevistas transcritas tal e qual foram gravadas e textos impecáveis. O Pasquim marcou uma era no Brasil, foi um bastião de luta contra a ditadura e responsável pelo lançamento de nomes como Millôr Fernandes, Ziraldo e Henfil.
Escolas de Samba
Não bastasse isso tudo, e Sérgio Cabral foi um dos grandes – talvez o maior – conhecedor dos desfiles das escolas de samba, um dos jurados mais rigorosos e também um ótimo compositor. Foi o autor, entre outras, em parceria com Rildo Hora, das letras de “Janelas Azuis”, “Visgo de Jaca”, “Velha-Guarda da Portela” e “Os Meninos da Mangueira”, seu maior sucesso.
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Cabral foi, também, um combativo militante político, sendo preso pela ditadura no período do Pasquim, e foi vereador pela cidade do Rio de Janeiro durante três legislaturas. Ao contrário do filho, até onde se sabe, nunca meteu a mão na cumbuca.
O jornalista foi ainda autor de algumas das mais brilhantes e detalhadas biografias de grandes nomes da música popular brasileira. Escreveu “No Tempo de Almirante (1991)”, “No Tempo de Ari Barroso (1993)”, “Pixinguinha Vida e Obra (1997)” e a emocionante “Elisete Cardoso, Vida e Obra (1994)”. Esta última é um relato intenso da vida da Divina, considerada por muitos como a maior cantora brasileira de todos os tempos.
Cabral contava que caiu no choro quando terminou o capítulo final em que relatava a morte da cantora. Preocupado com a sua reação emocional, foi procurar o amigo, o escritor José Ubaldo Ribeiro. Sem a menor surpresa, Ubaldo reagiu: “Cabral, eu choro quando morrem os personagens que eu inventei, você tá chorando por causa de gente que existiu de verdade, fica tranquilo”.
Tom e Nara leão
Cabral adentrou também pela então moderna Bossa Nova e fez outras duas biografias imprescindíveis para quem pretende conhecer e compreender um pouco mais a trajetória da nossa canção. São elas “Nara Leão - Uma biografia (1991)” e “Antonio Carlos Jobim - Uma biografia (1997)”.
Sem preconceito algum, Cabral mergulhou tanto no samba dos morros quanto no mundo dissonante dos apartamentos da Zona Sul da cidade. Profuso e voraz por enxergar e entender o mundo ao seu redor, ainda escreveu “A Música Popular Brasileira na Era do Rádio (1996)”, “Quanto Mais Cinema Melhor - Uma biografia de Carlos Manga (2006)”, “Grande Otelo - Uma biografia (2007)” e “Ataulfo Alves (2009)”.
Com obra extensa e vida intensa, Sérgio Cabral foi um dos maiores narradores do Brasil do século XX, seus artistas e obras. Vascaino doente, usou a sua paixão pela cultura da nossa gente para criar com imenso rigor uma obra enorme.
Assim como ele fez com a Divina Elizete, choro também aqui ao narrar sua partida.