Não se sabe se Donald Trump, primeiro presidente dos EUA criminoso, vai parar atrás das grades. Deve no máximo ficar em liberdade condicional e segue na corrida presidencial. Outro candidato à Casa Branca já viveu uma odisseia semelhante, durante a Primeira Guerra Mundial: o comunista Eugene V. Debs.
Debs foi líder socialista e cinco vezes candidato à presidência, foi acusado e condenado por violar a Lei de Espionagem de 1917, que tornava crime interferir no recrutamento militar e promover insurreição para assegurar o apoio total ao esforço de guerra.
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Em junho de 1918, Debs fez um discurso em Canton, Ohio, e criticou a guerra e o sistema de recrutamento militar. Apontava que eram esforços injustos que beneficiavam os ricos à custa dos pobres. O encorajamento à resistência ao recrutamento militar foi enquadrado na Lei de Espionagem.
Ele foi preso e julgado por suas declarações. Em setembro de 1918, ele foi condenado por "discursos anti-guerra" e sentenciado a 10 anos de prisão. Debs fez sua própria defesa, argumentou que a liberdade de expressão deveria protegê-lo, mas foi considerado culpado.
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O caso de Debs foi há mais de 100 anos e deixou à mostra tensões entre segurança nacional e liberdades civis. Ele foi preso na Penitenciária de Atlanta.
Em 1920, atrás das grades, concorreu novamente à presidência e recebeu quase um milhão de votos. Em 1921, seu mandato foi comutado pelo presidente Warren G. Harding, e Debs foi libertado.
Semelhanças com um comunista?
Mais de um século separa Debs de Trump, dois opostos. Um era socialista, ligado à classe trabalhadora. Outro é um animador da extrema direita mundial, um fascista repaginado com tecnologia e bronzeamento artificial.
Debs foi condenado por violar a Lei de Espionagem de 1917 ao fazer discursos anti-guerra durante a Primeira Guerra Mundial. Em sua defesa, clamou por liberdade de expressão.
Trump, mesmo não tendo sido condenado por atividades políticas, transformou a condenação em palanque eleitoral. Acionou os holofotes da Grande América e agora só se fala nisso nos EUA e no resto do mundo também.
Debs manteve um forte apoio entre os socialistas e a classe trabalhadora, mesmo após sua prisão, quando recebeu quase um milhão de votos.
Pelo visto Trump também. Ele mantém um grande e leal grupo de seguidores, conhecidos os "MAGA" (Make America Great Again, Faça a América grande de novo), que continuam a apoiá-lo firmemente apesar de seus problemas legais e controvérsias.
Arrecadação recorde de campanha
A campanha de Trump anunciou que apenas entre quinta-feira e sexta-feira, após sua condenação criminal, arrecadou 34,8 milhões de dólares. Quebrou recordes on-line para os republicanos em um sinal da extensão da base trumpista.
Quase 30% dos doadores on-line eram novos na plataforma de doação on-line do partido, WinRed. Uma infusão inestimável de novas contribuições para explorar nos próximos meses de campanha.
O valor arrecadado depois de virar criminoso foi o dobro do melhor dia anterior de todos os tempos no WinRed. A quantia foi quase 10 vezes os 4 milhões de dólares que Trump levantou quando sua foto de prisioneiro (mugshot) foi liberada em 2023 em Atlanta para sua acusação lá.
Os números não serão verificáveis até que os comitês de campanha e WinRed façam seus registros na Comissão Eleitoral Federal nos meses seguintes.
Bandeira invertida nas redes
Apoiadores de Trump, indignados com o veredicto histórico de culpa contra o ex-presidente, se manifestam nas redes sociais com a bandeira dos EUA de cabeça para baixo.
Perfis das plataformas foram inundados com o símbolo nacional com as estrelas para baixo, postadas por republicanos eleitos, ativistas de extrema direita e até cidadãos comuns indignados com a notícia de que Trump agora é um criminoso condenado.
A bandeira de cabeça para baixo tradicionalmente indica aflição e, ocasionalmente, tem sido usada como um sinal de protesto. O direito de exibir a bandeira dos EUA dessa maneira foi confirmado por uma decisão da Suprema Corte em 1974.
Mas a bandeira invertida ganhou tração na extrema direita depois de ser hasteada fora da casa do juiz Samuel A. Alito Jr., da Suprema Corte, nas semanas após o ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021. O veredicto de quinta-feira do primeiro presidente criminoso na história dos EUA parece ter ganhado um símbolo.
Democracia dos EUA na encruzilhada
No caso de Debs, a situação dele como preso e candidato à presidência teve mais um efeito simbólico do que real na disputa eleitoral. Já no de Trump, a coisa fica mais complicada e a condenação do ex-presidente já deu mostras do impacto significativo no pleito de novembro.
Os apoiadores fervorosos de Trump permanecem leais, quebrando a internet, vendo a condenação como uma prova de que o sistema está contra ele. A condenação virou peça central da campanha de Trump para arrecadar fundos e mobilizar a base, com a narrativa vitimista de sempre de estar sendo injustamente perseguido pelo sistema.
Por outro lado, a condenação pode afastar eleitores independentes e moderados. Pesquisas indicam que mais de um terço dos eleitores independentes são menos propensos a apoiar Trump devido às acusações criminais. Em uma eleição apertada, isso pode ser decisivo.
Se Trump for condenado e preso, ele ainda pode concorrer, mas a logística de uma campanha presidencial de dentro da prisão seria sem precedentes e complicada. Existem discussões sobre a possibilidade de ele buscar uma liberação com base no argumento de que a prisão impede o cumprimento de suas obrigações constitucionais, caso seja eleito.
Tentativas de desqualificar Trump sob a 14ª Emenda, que impede pessoas envolvidas em insurreições de ocupar cargos públicos, foram barradas pela Suprema Corte, que afirmou que essa responsabilidade cabe ao Congresso. Com um Congresso dividido, é improvável que Trump seja desqualificado dessa forma.
Independente dos rumos que essa novela eleitoral tomará, a condenação de Trump coloca a democracia dos EUA em uma encruzilhada.