De LISBOA | A história é desde sempre cercada de ironias e uma delas, de grande relevo, está a transcorrer nos últimos dias. A Europa, palco da 2ª Guerra Mundial e do extermínio de pelo menos seis milhões de judeus pela política genocida de Adolf Hitler, que também foi atriz central na criação do atual Estado de Israel, tornou-se agora protagonista no possível mandado de prisão prestes a ser emitido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) contra o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, um carniceiro que há oito meses pulveriza o povo palestino que vive na Faixa de Gaza.
Arrogante, o radical de extrema direita, exalando seu sionismo macabro por cada poro do corpo, ignorou todos os apelos da comunidade internacional e seguiu com um massacre covarde contra civis, especialmente mulheres, crianças e idosos, colocando sua moderníssima máquina de guerra para assassinar sistematicamente mais de 35 mil inocentes que vivem no território palestino. Hospitais explodidos, escolas e universidades colocadas abaixo, instalações da ONU atacadas e seus funcionários mortos. Só que, de repente, o improvável aconteceu: o procurador-chefe do TPI, Karim Khan, pediu à Corte a prisão de Netanyahu, assim como a do ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, além de outros três integrantes da cúpula do grupo extremista Hamas. As chances de a solicitação serem atendidas pelos magistrados de Haia são grandes, e reais.
A partir daí, o impiedoso Benjamin Netanyahu, com o cinismo funesto que lhe é peculiar, passou a clamar para que a comunidade internacional ignore e se oponha a um possível mandado de prisão contra ele. Naturalmente, os EUA, fiéis financiadores e apoiadores de primeira hora de Israel, correram para desqualificar a iniciativa que tramita no TPI, tendo inclusive o presidente norte-americano, Joe Biden, chamado o pedido de detenção de “ultraje”. Nada além do que já era esperado, até porque, para além disso tudo, os EUA sequer são signatários do Estatuto de Roma e não aceitam os poderes e a jurisdição do TPI, embora tenham festejado um mandado de prisão idêntico emitido contra o presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, há pouco tempo.
Mas e a Europa, tão ligada historicamente a Israel e prometedora de um apoio “incondicional” ao povo judeu depois do Holocausto? Numa leitura mais romantizada, tal apoio seria mesmo aos judeus e à existência de seu Estado, mas isso não se estenderia, para boa parte das lideranças europeias contemporâneas, à figura pessoal do assassino impiedoso Benjamin Netanyahu. E é assim que boa parte dos governos das nações que compõem a União Europeia está se comportando.
A Alemanha, dirigida pelo chanceler Olaf Scholz, já garantiu que cumprirá uma ordem de prisão emitida contra Netanyahu se ele pisar em seu território, mesma posição da Espanha, governada por Pedro Sánchez, da França, presidida por Emmanuel Macron, e da Bélgica, que tem à frente de seu governo o premiê Alexander De Croo.
A Itália, governada pela extremista reacionária Giorgia Meloni, simpática às memórias fascistas de seu país, correu para alardear que um pedido de prisão como esse seria “uma vergonha”. Já o Reino Unido, também um aliado de primeira hora de Israel e que se alinha em automático com Washington, rejeitou a medida solicitada pelo procurador-chefe do TPI, mas adotando um tom mais “ameno”, sob o argumento de que “não é adequado equiparar um representante de um governo eleito a um grupo terrorista”, como se as ações de Netanyahu explodindo bebês, gestantes e idosos doentes, muitos deles internados em hospitais, não fossem de caráter terrorista também. Tal postura foi tomada igualmente pela Áustria e pela República Tcheca.
Passadas tantas décadas, o que se vê agora é a Europa mais uma vez no olho do furacão da História, tendo papel fulcral para uma questão de repercussão mundial. A depender dos próximos capítulos, esse protagonismo das nações do “velho mundo” aumentará e o futuro do assassino inveterado que mata em série, e sem dó, cada vez mais dependerá dos países que um dia, no passado, foram fundamentais para a própria idealização, construção e instituição do Estado de Israel.