60 ANOS DO GOLPE

Operação Condor: Dor e terror no Brasil sul-americano, por Ana Prestes

O Brasil militarizado pós-1964 forneceu as bases para a formação de um pacto repressivo sul-americano, que possibilitou o intercâmbio de informações, planos conjuntos de inteligência, perseguições, prisões, torturas e mortes sem fronteiras

Créditos: Montagem/Revista Fórum/Marcos Guinoza
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No seio do campo democrático brasileiro, felizmente, prevaleceu o sentido da importância de marcar os 60 anos do golpe de Estado desferido pelos militares em 1964. Afinal, que país seremos se evitarmos a importante e necessária deferência aos que resistiram ao golpe em seus longos anos de terror e até hoje estão desaparecidos?

Não há razão para se escapar da urgência de se resgatar o sentido da reconstrução da nossa democracia e honrar também aqueles e aquelas que nas últimas quatro décadas se empenharam nessa tarefa. Tudo isso, sobretudo, tendo em mente que vivemos um momento em que se armam novos golpes com os mesmos e velhos atores. Um presente em que, seis décadas depois, as forças autoritárias e fascistas voltam a rondar consciências. E não apenas no Brasil. Por isso este artigo.

Nosso sentido de casa sul-americana por vezes escapa em nossas leituras, por razões mil que não cabem neste texto, mas é importante lembrar que o golpe de 1964 foi essencial para que se formasse uma das maiores máquinas de morte e repressão já existentes no mundo, e ela se deu na América do Sul, com a Operação Condor. Portanto, evitar o exercício público da memória neste aniversário significaria também virar as costas para o que ele representa para a história de lutas não só de brasileiros e brasileiras, mas de povos irmãos, como chilenos, venezuelanos, bolivianos, argentinos, paraguaios e uruguaios.

Há um enlace inescapável na trilha de sangue e ditaduras que se impôs a esses povos nos anos 1960 e 1970 do século passado, e o Brasil militarizado pós-1964 forneceu as bases para a formação de um pacto repressivo sul-americano, que possibilitou o intercâmbio de informações, planos conjuntos de inteligência, perseguições, prisões, torturas e mortes sem fronteiras.

A Operação Condor possibilitou uma potente integração, via coordenação regional, que as forças democráticas nunca conseguiram efetivar para os fins de trocas comerciais e proteção social tão almejados pelos integracionistas. Ela se deu por uma inconteste natureza internacional da repressão política na América do Sul dos anos 1960 e 1970, em que um dos primeiros instrumentos foi o Serviço Nacional de Informações (SNI), criado imediatamente após o golpe de 1964, idealizado e chefiado pelo general Golbery do Couto e Silva, a partir de seus estudos na Escola Superior de Guerra nos anos 1950.

O SNI foi o instrumento para a formalização de um acordo verbal com a Agência Central de Inteligência (CIA) dos Estados Unidos no nascedouro do período ditatorial já em meados de 1964. Era o início de uma cooperação que ganharia contornos mais profundos e operacionais com Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai nos anos que viriam a seguir.

A repressão foi internacional e coordenada, mas cada um desses países, posteriormente, tratou de forma diferente as consequências e principalmente os processos de memória e justiça para com os seus cidadãos. De todos, o Brasil é ainda aquele que mais descaradamente tenta trancar a história nos armários de Brasília.

O medo da verdade ainda dá o contorno da ação do Estado nessas datas simbólicas, como o atual sexagenário do golpe. Dar a conhecer os fatos e buscar justiça, para que não se esqueça e não mais aconteça, é um dever das atuais gerações em deferência e memória aos sulamericanos e sul-americanas que enfrentaram e pagaram com a vida ao resistirem e atuarem contra a coordenada ação dos generais do nosso continente.