TENTATIVA DE GOLPE

Judicializar o golpe significa subestimá-lo - por Gilberto Maringoni

O silêncio de Lula sobre as revelações desta semana acerca da tentativa de golpe foi uma inexplicável perda de oportunidade. Ainda na semana do G20, o presidente poderia ter isolado internamente a extrema direita e lançado mundialmente uma campanha contra o neofascismo

Bolsonaro e Braga Netto.Créditos: Clauber Cleber Caetano/PR
Escrito en OPINIÃO el

O presidente Lula decidiu não falar durante o G-20 da descoberta do plano golpista formulado por militares no apagar das luzes do governo Bolsonaro. Resolveu não intervir no calor da hora contra um seleto grupo palaciano que, até aqui, envolve o ex-ministro da Defesa e candidato a vice Braga Netto, um general e uma penca de oficiais graduados do Exército, chancelados pela sempre disponível pena do jurista Ives Gandra Martins. Evitando dar qualquer explicação ao país, o presidente cancelou em cima da hora uma coletiva marcada para a tarde do encerramento da cúpula, sem maiores explicações.

O governo pode ter perdido uma oportunidade de ouro para escancarar as dimensões políticas do caso, para isolar internamente a extrema direita e para lançar mundialmente uma campanha de denúncia da ascensão global do neofascismo. É algo estranho, pois não é todo dia que se escancara um plano golpista para assassinar um presidente da República, seu vice e um membro da suprema corte em qualquer país do mundo. 

Uma intervenção de Lula criaria no país o ambiente propício para tirar a Justiça da letargia diante dos crimes de Jair Bolsonaro. A iniciativa poderia retirar o governo da defensiva e deixar para trás as infindáveis e duvidosas argumentações de que mudanças mais profundas no país são sempre adiadas, pois “a correlação de forças é desfavorável”. Aliás, essa é a sétima oportunidade que o governo deliberadamente deixa de aproveitar para inverter tal correlação, o que possibilitaria enfrentar um setor que escancara seu vezo antidemocrático e antinacional desde o alvorecer da República. 

Recordemos: após o 8 de janeiro, o governo decidiu não retirar os militares do GSI e de ações de segurança interna, modalidade para a qual não são treinados. Além disso, não se movimentou politicamente pela punição e exoneração de comandantes de unidades que permitiram a mazorca dos acampamentos golpistas em suas portas, não reforçou ações para levar adiante processos a partir de escândalos como as farras do Viagra, das lagostas e de outros produtos de luxo, transformou o aniversário do 8 de janeiro em festim de colunismo social, proibiu manifestações oficiais contra o golpe de 1964 e convive sem problemas com a ação subversiva pública do ministro Múcio Monteiro, notório apoiador da ditadura. 

As investigações atuais estão a cargo da Polícia Federal e as prisões foram decretadas a partir de iniciativas da PGR e do STF. Na prática, judicializou-se a questão. O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), em alocução no CNJ, afirmou que “o golpismo, o atentado contra as instituições e contra os agentes públicos que as integram nada têm a ver com ideologia ou com opções políticas”. Segundo ele, “nós estamos falando de crimes previstos no Código Penal”.

A fala de Barroso é inacreditável. Joga tudo na vala do crime comum e retira o caráter eminentemente político da fracassada intentona. O jurista trata a trama assassina como obra de meia dúzia de desequilibrados, sem projeto, sem ligação alguma com o alto comando e com a oficialidade das Forças Armadas, além de parcelas das elites endinheiradas. Barroso faz tábula rasa das evidências que se acumulam desde 7 de setembro de 2021, quando Jair Bolsonaro, então presidente, anunciou que poderia virar a mesa em comício na Paulista.

É claro que o combate a sedições dessa natureza tem dimensões judiciais e policiais. Mas a ação central se dá na arena política, na denúncia, na disputa da opinião pública e em desmascarar a direção de uma instituição que trabalha diuturnamente para destruir a democracia. 

Se tivesse aproveitado a presença dos principais líderes mundiais no Rio de Janeiro, o presidente daria efetividade prática ao evento, face ao principal problema mundial dos dias que correm, o avanço do fascismo. Ao invés disso temos apenas a longuíssima, pouco objetiva e genérica resolução do encontro, com seus 85 parágrafos repletos de saudações, preocupações e boas intenções de quase nulo efeito imediato.

Enquanto isso, Bolsonaro, Braga Netto e comandantes de unidades que abrigaram a malta golpista seguem livres, leves e soltos. Vamos tocar a vida como se nada tivesse acontecido. O governo tem coisas mais importantes a tratar, como dar os últimos retoques num pacote de fundos cortes orçamentários para garantir equilíbrio sabe-se lá do quê. 

Corram que a correlação de forças vem aí!