OPINIÃO

Rock brasileiro virou coisa de gente velha? - Por Francisco Fernandes Ladeira

Para Regis Tadeu, a expressão mais explícita do desprezo dos jovens pelo rock brasileiro é a figura do “tiozão do rock”, cujo estereótipo é “homem, com mais de cinquenta anos, barbado e sempre de camiseta preta com estampa de alguma banda antiga”

Roger com o Ultraje a Rigor e Lobão.Créditos: Facebook
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Nos últimos meses, escrevi alguns artigos aqui na Fórum abordando a guinada conservadora de boa parte dos músicos do rock brasileiro, sobretudo da geração dos anos 80. Como dizia Cazuza, aqueles garotos que queriam mudar o mundo, frequentam agora as festas do Grand Monde. E há todo tipo de postura à direita (e mesmo à extrema direita). 

Evandro Mesquita, em show da Blitz, chegou a puxar coro em favor de Sergio Moro. Em apresentação do Capital Inicial, Dinho Ouro Preto fez discurso (supostamente) anticorrupção que, se não fosse a linguagem adolescente, poderia facilmente ser dito por William Bonner no Jornal Nacional. Lobão se vende como “nem direita, nem esquerda”, o que, na prática, é ser direitista enrustido. Roger Moreira, do Ultraje a Rigor, é um ferrenho apoiador do bolsonarismo e vive despejando ódio à esquerda e às minorias nas redes sociais.

Adicionando elementos à discussão acima, recentemente o crítico musical Regis Tadeu lançou um vídeo em seu canal no YouTube, com o questionamento presente no título deste texto: Rock brasileiro virou coisa de gente velha?

Segundo Regis, o rock brasileiro – antes símbolo de rebeldia, liberdade, inovação e competência na arte de compor canções antológicas, quase imortais dentro da histórica da música brasileira – hoje parece ter se consolidado com uma espécie de expressão de nostalgia; para “gente velha”. Essa transformação levanta questões profundas sobre a identidade do rock brasileiro e o comportamento de seus ouvintes. 

Para o crítico musical, a expressão mais explícita do desprezo dos jovens pelo rock brasileiro é a figura do “tiozão do rock”, cujo estereótipo é “homem, com mais de cinquenta anos, barbado e sempre de camiseta preta com estampa de alguma banda antiga”, disposto a soltar frases como: “não ouço nada de som moderno, no meu tempo que as músicas eram boas”. Diga-se de passagem, esse “tiozão do rock” lembra outro tiozão, o do “zap” (não raro se funde com ele), que também é saudosista de um tempo em que as pessoas não eram “mimizentas”. 

Em contrapartida, os filhos do “tiozão do rock”, seguindo a concepção freudiana de negação do pai, tendem a abominar o gosto musical paterno: no caso, o rock.  Por uma dessas ironias geracionais, o caráter “antissistema” do rock brasileiro dos anos 80, em grande medida, se devia à negação da classe social de seus membros, a pequena-burguesia. Não por acaso, o anteriormente citado Cazuza cantava: “Eu sou burguês, mas eu sou artista. Estou do lado do povo”. 

De acordo com Regis Tadeu, o “tiozão do rock”, ao sobrevalorizar o passado quando era jovem, busca reafirmar sua identidade e seu lugar no mundo. Só que essa reverência ao passado pode se tornar um entrave para a própria evolução do rock no Brasil, por parte das novas gerações, que sempre buscam se diferenciar dos valores adultos. “Então a molecada, querendo se distanciar dos padrões dos pais roqueiros, vão para outros estilos de som”, frisou o crítico musical. 

Além da negação do gosto paterno, Regis também cita como obstáculo para adesão das novas gerações ao rock o fato de o mainstream musical atual ser praticamente dominado pelos altíssimos investimentos no sertanejo universitário (trilha sonora do agro e, em certa medida, também do bolsonarismo). Por outro lado, o rock (e outros ritmos musicais) fica relegado ao universo underground, em que centenas de ótimas bandas não conseguem romper suas respectivas bolhas.

No entanto, é importante ressaltar que a própria ascensão do rock, nos anos 80, também teve como fator fundamental os altos investimentos, o que atraiu muita gente além da bolha roqueira. Na época, um clássico de Cyndi Lauper apontava: “Money Changes Everything” (Dinheiro muda tudo). Fazia todo sentido! 

Assim, quando se pergunta a alguém sobre rock brasileiro, provavelmente as respostas serão banda veteranas como Titãs, Paralamas do Sucesso e Barão Vermelho. Ou então, ao se falar em “rock brasileiro moderno”, as referências são nomes como Pitty e CPM 22 (todos, pelo menos, com vinte anos de carreira). 

Por fim, conclui Regis, esse saudosismo roqueiro cria uma barreira para se conhecer bandas e artistas novos. Consequentemente, o rock se transforma em mera recordação, ao invés de representar uma nova vanguarda cultural. 

Seria imprudente afirmar que há um “inevitável apelo fascista” no rock, como muitos dizem por aí, mas é fato que este estilo musical caminha a passos largos para se tornar aquilo que mais repudiava: um velho careta, reacionário e rabugento.
 

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