Recentemente, o apresentador da Rede Globo, Luciano Huck, gravou um vídeo em que, a partir de uma estranha analogia entre posicionamento ideológico e jogadores de futebol ambidestros, afirmou não se encaixar em nenhum dos dois lados do espectro político – esquerda ou direita. Nessa mesma linha de raciocínio, três anos atrás, ao ser perguntado sobre os roqueiros, outrora “revolucionários”, agora serem vistos como “reaças”, o guitarrista do Sepultura, Andreas Kisser, foi categórico: “não vejo relação de roqueiro, música, com política, não tem nada a ver uma coisa com a outra, o rock não é de esquerda. Ramones, por exemplo, super direita. De repente, a esquerda fala uma coisa, a direita fala a mesma coisa, mas os dois estão se criticando”.
Ambas as declarações nos remetem ao famoso “isentão”, da típica fala “nem esquerda, nem direita”, que, em essência, significa uma forma envergonhada de ser “direita”, uma espécie de eufemismo. Lembrando Paulo Freire e Florestan Fernandes, não existe neutralidade possível; ser “neutro” é estar do lado do opressor (logo, da direita).
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Sobre a fala de Kisser, no livro “A Invasão Cultural Norte Americana”, a socióloga Julia Falivene Alves argumenta que mesmo os movimentos mais engajados e contestadores ligados ao rock, como o hippie e o punk, não se configuram, necessariamente, como algo que poderíamos classificar como “esquerda”, no sentido político do termo; eram ligados às ideias anarquistas. “Representavam mais movimentos de desobediência civil do que uma revolução”, pontua Julia. Nesse sentido, os primeiros versos da clássica Anarchy in the U.K., dos Sex Pistols, são emblemáticos: “Eu sou um anticristo/Eu sou um anarquista/Não sei o que eu quero/Mas sei como conseguir”.
Portanto, esse caráter anárquico permite ao rock uma oscilação entre os espectros ideológicos. Em outras épocas, o estereótipo do roqueiro – rebelde, maconheiro e contestador dos costumes – levou à associação entre rock e esquerda. No entanto, os astros do rock envelheceram (e mal). Em sua maioria, passaram a adotar posturas e discursos nitidamente conservadores (não raro, aliando-se aos preceitos da extrema direita). Pelo menos é o que observamos nos principais veículos de comunicação.
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John Lydon, ex-vocalista do anteriormente citado Sex Pistols, que na década de 1970 criticava a caretice da Coroa Britânica e dizia não haver futuro no sonho inglês, hoje é um fervoroso trumpista. Eric Clapton, um dos maiores guitarristas de todos os tempos, tem se destacado por seus discursos racistas e negacionistas, que parecem ter saído direto de um grupo de WhatsApp bolsonarista. Morrissey, que é homossexual, tem constantemente flertado com a (homofóbica) extrema direita. Na mesma linha ideológica estão Phil Anselmo (Pantera) e Dave Mustaine (Megadeth). Mesmo Bono Vox, do U2, antes conhecido pelo engajamento em causas sociais, virou um ferrenho defensor do genocida Estado de Israel.
No Brasil a situação não é diferente. Marcelo Nova, do Camisa de Vênus, é um notório negacionista e Ancap. Lobão, que já fez live com ninguém menos do que Olavo de Carvalho e apoiou Bolsonaro em 2018, hoje, numa tentativa de limpar sua imagem, se declara não ser direita nem esquerda (o que, na prática, sabemos o que significa). Roger Moreira, do Ultraje a Rigor, tem como única função no debate público ficar ofendendo indivíduos e veículos de comunicação progressistas no “X” (antigo Twitter).
Ricardo Confessori, ex-baterista do Angra, defendeu os golpistas de 8 de janeiro em suas redes sociais. Digão, dos Raimundos, o “roqueiro reaça”, afirma não ser de esquerda, não seguir rótulo, não ser bolsonarista, mas ano retrasado votou no mito. Até o historicamente alienado Dinho Ouro Preto, no auge da Lava Jato, chegou a dizer em um show que “rock 'n roll combina com falar mal de político” (só políticos de esquerda, é claro, assim como fazia a Rede Globo na época).
Se os roqueiros famosos estão cada vez mais atolados na lama do conservadorismo, o que os estudos nos mostram sobre os apreciadores do rock em geral? Os fãs, tal como os ídolos, também têm se posicionado à direita do espectro político?
Segundo pesquisa do jornal Valor Econômico, o rock é o estilo musical preferido dos
maiores Diretores Executivos de empresas brasileiras (grupo formado por homens brancos, classe média e com idade superior a 40 anos, perfil que coincide, em grande medida, com eleitores da direita). Em 2021, a socióloga Dani Ribas, ao analisar vídeos de convocações para passeatas de Bolsonaro, constatou que os cinco mais visualizados tinham o rock como trilha. Um ano depois, estudo do DataFolha apontou que há uma considerável relação entre preferência pelo rock como estilo musical e posicionamento político de direita
Essa associação entre rock e direita também foi observada durante o contexto da pandemia da Covid-19, em um cartaz do grupo “Opressores do Rock”, de Chapecó (SC), onde aparecia o então presidente Jair Bolsonaro tocando uma guitarra e as frases: “Presidente, seu governo é rock para os nossos ouvidos. Em apoio ao governo Bolsonaro”.
Por sua vez, os jornalistas Marcelo Moreira e Maurício Gaia, ao realizarem um apanhado sobre comentários de roqueiros extremistas de direita, em uma página no Facebook, identificaram “pérolas” como “O PT queria implantar a ditadura comunista no Brasil”, “Favelas são redutos de vagabundos e ladrões” e “Direitos humanos é coisa de veado, de quem defende bandido”.
Não por acaso, um vídeo dos Galãs Feios trouxe a seguinte ironia: “O rock não morreu, virou música do Partido Novo. Os shows das bandas mais famosas são frequentados por pessoas parecidas com o João Amoêdo e o Datena”.
Evidentemente, não vou responder afirmativamente à pergunta que intitula este texto. Fica a cargo de cada leitor. Antes que alguém me acuse de fazer generalizações, sei que existem roqueiros e fãs progressistas.
Mas, como se tem visto, as vozes que mais se destacam no rock estão nitidamente à direita. E, pelo andar da carruagem, como é difícil haver algum tipo de renovação no rock (pelo menos no chamado mainstream) a tendência é piorar. Não vou dizer que há um “inevitável apelo fascista” neste gênero musical, como apontou certa vez um crítico, mas é inegável que o rock, em suas variadas vertentes, tem se tornado aquilo que mais repudiava: um velho careta, reacionário e rabugento. Ou seja, o típico perfil “tiozão do zap”.