ROCK ERROU

O rock errou 2: a geração 90 – Por Francisco Fernandes Ladeira

Marcelo D2 e BNegão seguirem com seus discursos progressistas. Por outro lado, nem tiozões do Zap seriam tão criativos como Rodolfo e Digão, que fundaram os Raimundos.

B Negão e Marcelo D2 se se contrapuseram ao reacionarismo de Digão e Rodolfo, dos Raimundos.Créditos: Arquivo / Instagram
Por
Escrito en DEBATES el

Dias atrás, escrevi um artigo para a Revista Forum, em que criticava as posturas conservadoras de alguns nomes do rock brasileiro dos anos 80. Para não soar “injusto”, dedico este texto para discorrer sobre os posicionamentos políticos dos músicos da geração posterior, isto é, que iniciaram suas carreiras no último decênio do século passado.

Entre 1990 e 1999, diferentemente dos anos 80, o rock não esteve tão em evidência, a mistura com outros ritmos foi mais intensa e, principalmente, houve uma mudança na origem social dos componentes das principais bandas.

Ao contrário das bandas da geração 80, composta em sua grande maioria por indivíduos de classe média, as maiores referências da década de 1990 – como Chico Science & Nação Zumbi, Planet Hemp e O Rappa – tinham entre seus músicos jovens nascidos em áreas pobres.

Em parte, esse componente classista é importante para entendermos o porquê de certos nomes dos anos 80 serem extremamente reacionários e, por outro lado, Marcelo D2 e BNegão, por exemplo, seguirem com seus discursos progressistas. Trata-se da chamada “consciência de classe”.

No entanto, seria reducionista classificar a geração 80 simplesmente como “classe média reacionária” e a geração 90 como “classe trabalhadora progressista” (este não é o objetivo do presente texto; assim como não foi do anterior, citado no primeiro parágrafo).

Feitos os devidos esclarecimentos, podemos apontar que a geração 90 também tem seus “roqueiros reacionários”.

Em 2014, os integrantes da banda mineira Tianastácia fizeram campanha para ninguém menos do que Aécio Neves. “O Brasil precisa de um governo eficiente, agora é Aécio”, disseram à época os vocalistas da banda, Maurinho Nastácia e Podé Nastácia, durante um programa eleitoral.

No mesmo pleito, Rogério Faustino, do Jota Quest, e seu irmão, Wilson Sideral, também declararam apoio ao político tucano. Um ano depois, em suas redes sociais, Flausino celebrou os “coxinhatos” da Avenida Paulista. Em 2016, a esquecida banda paulista Tijuana pedia o impeachment de Dilma Rousseff em seus shows.

Por sua vez, Rodolfo Abranches, antigo vocalista do Raimundos, já defendeu a “cura gay” e afirmou que “o governo comunista implantado pelo PT divide as pessoas para governar”. Seu ex-colega de banda, o guitarrista Digão, também conhecido como “roqueiro reaça”, chegou a declarar que a pandemia da Covid-19 era “amostra grátis de comunismo”. Nem os tiozões do zap seriam tão “criativos”. Desnecessário dizer em quem ambos votaram para presidente em 2022.

Pelo mesmo caminho seguiram Renato Pelado, baterista do Charlie Brown Jr, e (o amigo de Carlos e Eduardo Bolsonaro) Rodrigo Costa, ex-integrante do Forfun.

Portanto, assim como a geração 80, os roqueiros dos anos 90 também têm seus “reacionários” que, embora não sejam tão atuantes politicamente quanto seus antecessores, quando surge uma oportunidade, não se intimidam em demonstrar todo seu conservadorismo, por meio de posturas “indignadas”, “liberais” e “fundamentalistas”.

Enfim, independentemente de geração, estilo ou qualquer outro condicionante, parcela considerável dos roqueiros brasileiros tem se afastado do caráter contestador do rock n´roll; servindo como correia de transmissão para discursos retrógrados e preconceituosos.

Conforme bem apontou o blogueiro Gerson Nogueira, no Brasil, o indivíduo consegue ser fã de Led Zeppelin e Offspring cantando promiscuidades, mas acha Pablo Vittar imoral; ama Roger Waters, que defende a causa Palestina, mas chama imigrante de terrorista; e se emociona com Beatles, que fazia música subversiva pró-URSS, mas diz que nossa bandeira jamais será vermelha. Lamentável contrassenso.

*Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em Geografia pela Unicamp. Autor, entre outros livros, de A ideologia dos noticiários internacionais (CRV).