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Teria o rock encaretado? - Por Francisco Fernandes Ladeira

Há o grupo dos “roqueiros negacionistas e anti-vacina”, do estio “tiozão que compartilha fake news no zap”, formado por Eric Clapton, Van Morrison e Ian Brown. Infelizmente, no Brasil a situação não é diferente.

Roger Moreira, do Ultraje, e Lobão, em cenas patéticas com Danilo Gentili.Créditos: Facebook
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Entre os diversos ritmos musicais existentes no planeta, o rock n’ roll é (ou já foi) um dos mais contestadores e revolucionários. Surgido como uma espécie de versão acelerada do blues (estilo musical de origem negra), o rock n’ roll, em seus primórdios, chocou a puritana e moralista sociedade estadunidense dos anos 50.

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Na década seguinte, cerca de meio milhão de jovens se reuniram para repudiar a Guerra do Vietnã e celebrar a paz e o amor livre no festival de Woodstock. Já com o rock globalizado, no final dos anos 70, foi a vez de os Sex Pistols decretarem anarquia no Reino Unido, em pleno Jubileu de Prata da rainha Elizabeth II.

Atualmente, muitos roqueiros ainda mantêm posturas politicamente engajadas, como são os casos de Sting (conhecido ativista da causa indígena), Bono Vox (militante pelos direitos das populações do continente africano) e Roger Waters (que tem denunciado ao mundo o genocídio cometido pelo Estado de Israel contra o povo palestino). Mais do que um mero ritmo musical, o rock também é um estilo de vida, uma “atitude”.

No entanto, mesmo com a atmosfera revolucionária que historicamente paira sobre o rock, um tipo paradoxal tem ganhado cada vez mais destaque na grande mídia e nas redes sociais. Trata-se do “roqueiro conservador”. Embora outras épocas já tivessem registros de “roqueiros caretas”, como Elvis Presley e Johnny Ramone (o “punk pró-sistema”); foi somente nas últimas décadas, com o envelhecimento dos roqueiros, que o tipo social contraditório anteriormente mencionado se tornou mais corriqueiro. Alguns, inclusive, possuem posicionamentos ideológicos próximos à extrema-direita.

Phil Anselmo, ex-vocalista do Pantera, é conhecido por seus discursos racistas, que exaltam a (falaciosa) supremacia branca. Por sua vez, o guitarrista Ted Nugent já declarou que o grande erro dos Estados Unidos no Iraque foi não ter bombardeado aquele país da mesma forma que fez com o Japão, no final da Segunda Guerra. Morrissey, do lendário quarteto The Smiths, se apresentou no programa “The Tonight Show Starring Jimmy Fallon” usando um broche de uma organização política de extrema-direita. Já John Lydon, que em sua época de Sex Pistols atacava a retrógrada realeza britânica, hoje é um ferrenho apoiador de Donald Trump. Também há o grupo dos “roqueiros negacionistas e anti-vacina”, do estio “tiozão que compartilha fake news no zap”, formado por Eric Clapton, Van Morrison e Ian Brown.

Infelizmente, no Brasil a situação não é diferente. Alguns dos músicos da geração do rock nacional dos anos 80, que em suas composições questionavam o status quo da época; atualmente se alinharam ao que há de pior no cenário político nacional, reproduzindo o moralista discurso anticorrupção, dando declarações preconceituosas ou posando para fotos com magistrados tendenciosos. Conforme cantava Cazuza: aqueles garotos que queriam mudar o mundo, frequentam agora as festas do Grand Monde.

Muitos analistas relacionam o conservadorismo de parte da chamada “Geração 80” à origem social de seus membros. Como típicos indivíduos da classe média alta, enquanto jovens, se rebelaram contra seus pares, se posicionando a favor dos estratos inferiores da população; depois de velhos, como bons “filhos ingratos arrependidos”, retornaram aos interesses de seus iguais. Parafraseando Belchior, “ainda são os mesmos e vivem como seus pais”.

Além do mais, como esses músicos não produzem algo inédito há tempos, uma alternativa para ter espaço na grande mídia é recorrer a discursos conservadores e polêmicos. Isso explica o porquê de o “ex-rebelde” Lobão dar declarações que beiram ao fascismo (com direito a exaltações ao regime militar) e do Ultraje a Rigor ter se transformado em uma simples banda de apoio no programa do humorista neocon Danilo Gentili.

Em suma, os jovens roqueiros de outrora se tornaram aquilo que mais repudiavam e temiam: anciões rabugentos, reacionários e caretas. Não por acaso, Pete Townshend, do The Who, dizia que queria morrer antes de ficar velho.

*Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em Geografia pela Unicamp. Autor, entre outros livros, de A ideologia dos noticiários internacionais (CRV).