Em 1986, Lobão lançava o disco “O Rock Errou”. Mal sabia o músico carioca que o título de seu segundo álbum solo descreveria perfeitamente o que foi sua geração (ou pelo menos grande parte dela). “Aqueles garotos que queriam mudar o mundo”, como dizia Cazuza, nos anos 1980, transformaram-se, décadas depois, em senhores extremamente conservadores e decadentes, ou, como apontava o mesmo Cazuza, “gente careta e covarde”, que “celebra a estupidez humana”, conforme já denunciado pela Legião Urbana.
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Como explicar o fato de jovens que iniciaram suas carreiras musicais ainda durante a ditadura, que condenavam a repressão em suas canções e, assim como a letra do Ira!, “queriam lutar, mas não com essa farda”, terem se transformado em sessentões que apoiam magistrados tendenciosos e políticos com posicionamentos abertamente fascistas, favoráveis à volta do regime militar? Os Engenheiros do Hawaii deram o prognóstico: “o fascismo é fascinante, deixa a gente ignorante e fascinada”. Talvez os músicos da chamada geração 80 fossem apenas “rebeldes sem causa”, lembrando uma letra do Ultraje a Rigor.
Falando em Ultraje, saber que seu vocalista Roger Moreira apoiou as candidaturas de Jair Bolsonaro ao Planalto, em 2018 e 2022, leva-nos a constatar que realmente ele é o que cantava nos anos 80: “inútil” que “não sabe escolher o presidente”. Nessa mesma linha, Lobão também apoiou o “mito” que, remetendo à música do “Uns e Outros”, “prolifera ódio, destruição, morte, discórdia, ganância e guerra”.
Aliás, o ex-baterista da Blitz, citado no início deste texto, talvez tenha a trajetória mais contraditória entre os músicos de sua geração. Se, na eleição presidencial de 1989, Lobão desafiava a poderosa Rede Globo, fazendo campanha para a candidatura Lula contra Fernando Collor, em pleno Domingão do Faustão, e, nos anos 1990 e 2000, enfrentava a indústria fonográfica, hoje o “Velho Lobo” nada mais é do que uma figura caricata, que fica despejando ódio ao lado de outras personalidades também caricatas, como Luiz Felipe Pondé e Danilo Gentili, representantes máximos da “babaquice, tolice e caretice” de que o mesmo Lobão dizia estar cansado na letra de “Vida Louca Vida”. “Decadence” e sem “elegance”.
Enquanto, na década de 1980, os Titãs protestavam contra o “Estado Violência”, que não nos deixava “pensar”, “sentir” e “querer”, atualmente seus colegas de geração Evandro Mesquita, João Barone e Dinho Ouro Preto elogiam o autoritário ex-juiz Sergio Moro (aquele que “não respeita a Constituição, mas acredita no futuro da nação”, versos exaustivamente cantados pelo próprio vocalista do Capital Inicial).
Muitos analistas relacionam o conservadorismo da geração 80 à origem social de seus músicos. Como bons indivíduos da classe média alta, enquanto jovens, rebelaram-se contra seus pares, posicionando-se a favor da “plebe rude”. Depois de velhos, como bons “filhos ingratos arrependidos”, retornaram aos interesses de seus iguais.
Evidentemente, nem todos os roqueiros da década de 1980 aderiram ao conservadorismo. Nomes como Arnaldo Antunes, Paulo Miklos e Leoni ainda mantêm posicionamentos democráticos (estaria este último fazendo jus ao nome de sua ex-banda, “Heróis da Resistência”?).
No entanto, as exceções não são suficientes para refutar a tese de que o rock nacional dos anos 1980, de forma geral, encaretou. Aqueles garotos “que queriam mudar o mundo” agora compactuam com o que há de mais retrógrado no país, ou, no máximo, “agora assistem a tudo em cima do muro”, como faz Paulo Ricardo. O Camisa de Vênus (do negacionista Marcelo Nova) já havia cantado a pedra: “isso é só o fim, mas isso é só o fim”.
*Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em Geografia pela Unicamp. Autor, entre outros livros, de A ideologia dos noticiários internacionais (CRV).