OPINIÃO

Esquerda e direita: categorias necessárias, porém insuficientes para analisar a geopolítica global

Termos esquerda e direita ainda são utilizados para classificar visões de mundo de pessoas e organizações partidárias, quando falamos em geopolítica global, a questão se torna mais complexa

Marcha pelo Orgulho e Tolerância de Jerusalém.Créditos: Instituto Brasil Israel
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Quando se trata de classificar a ideologia de determinados indivíduos e partidos políticos, geralmente utilizamos as categorias "esquerda" e "direita" - cujas origens remetem ao contexto da Revolução Francesa, no final do séculos XVIII. 

Apesar de essas tipologias apresentarem certas generalizações, que não contemplam a pluralidade de posicionamentos ideológicos, é possível observar algumas regularidades.

Para o pensador italiano Norberto Bobbio, pessoas à esquerda são partidárias da melhoria das condições de vida da maioria da população, enquanto direitistas defendem a conservação dos privilégios das elites tradicionais. Ou seja, a esquerda é mais inclusiva; a direita, mais excludente. Também há quem associe esquerda ao progressismo e direita ao conservadorismo.

Se, apesar de todos os riscos, os termos esquerda e direita ainda são utilizados para classificar visões de mundo de pessoas e organizações partidárias, quando falamos em geopolítica global, a questão se torna mais complexa.

Nesse sentido, em postagem no X, o jornalista Breno Altman levantou a seguinte questão: um país que viva sob regime conservador ou até reacionário pode desempenhar papel progressista no plano mundial? 

Conforme Altman, se o critério for o de combater o sistema imperialista liderado pelos Estados Unidos, a resposta é positiva. Os casos da Rússia e do Irã, na atualidade, são os mais notáveis.

Do mesmo modo, grupos com forte influência religiosa, como Hamas e Hezbollah (que muita gente classificaria como "direita"), quando combatem o sionismo, principal pináculo do imperialismo no Oriente Médio, passam a desempenhar um papel geopolítico extremamente progressista. 

Essa aplicação estanque e sem fazer a devida análise crítica sobre os termos esquerda e direita fez (e ainda faz) com que parte da esquerda brasileira não apoie os grupos que compõem a resistência palestina à ocupação colonial de Israel, pois tais grupos não seriam "marxistas", mas "conservadores". 

Como me relatou um membro da comunidade LGBTQIAPN+, em minicurso que ministrei sobre a Palestina, também é curioso observar que, no contexto geopolítico após a contraofensiva do Hamas em Israel, ocorrida em outubro do ano passado, alguns militantes pelos direitos dos homossexuais passaram a apoiar as ações do Estado Sionista, pois o país abriga a "Maior Parada Gay do Oriente Médio" (o que é associado aos ideias progressistas). 

Ainda sobre a armadilha identitária, muitos no campo progressista equivocadamente acreditam que políticos como Barack Obama ou Kamala Harris podem trazer algum tipo de melhoria concreta para o mundo, pelo simples fato de pertencerem a minorias sociais historicamente defendidas pela esquerda. 

Por outro lado, um governo considerado à esquerda, como o de Boric, no Chile, ao servir como papagaio de pirata dos Estados Unidos em sua campanha de ataques à Venezuela, atua de uma forma altamente reacionária e contrária aos interesses dos povos latino-americanos.

Diferentemente da declaração do procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab, Lula não é agente da CIA. Porém, quando o presidente brasileiro se alinha à agenda de Washington em oposição aos presidentes da Nicarágua e da própria Venezuela, ele contradiz sua histórica diplomacia à esquerda, adotando posturas à direita, como se realmente estivesse a serviço do imperialismo nessas situações específicas.

Esse exemplo demonstra a flexibilidade e ineficiência dos conceitos de esquerda e direita para o entendimento sobre as (complexas) relações internacionais. Um determinado líder político pode ter adotado posturas à esquerda no passado e, atualmente, em ocasiões pontuais, ser cooptado à direita.

No entanto, de nosso ponto de vista, do chamado Sul Global, toda política que seja favorável aos interesses do imperialismo - direta ou indiretamente -, no plano mundial, sempre será conservadora, reacionária, à direita e contrária aos interesses dos povos oprimidos do planeta.