Morando em Bremen, a cidade do conto “Os Músicos de Bremen”, nada mais óbvio do que escrever sobre eles, que assinam esse e tantos outros contos: os Irmãos Grimm!!! Jacob e Wilhelm Grimm.
Vamos lá!!
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Era uma vez dois irmãos que nasceram numa pequena cidade no Sacro Império Romano-Germânico, lá no final do século XVIII (1785/86) no seio de uma família próspera.
No dia em que o Jacob completou 11 anos, não apareceu nenhuma bruxa com um fuso de tear envenenado, não, foi uma bactéria mesmo que matou seu pai de pneumonia, e assim como a Cinderela, a família caiu na pobreza.
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Mas tinha uma tia-fada-madrinha rica que bancou os meninos, e como já foi dito antes, quem tem berço tem escola!! Por isso, os garotos foram estudar em outra cidade, bancados pela titia. Estudaram um monte de coisas, como era comum naquela época, mas gostavam mesmo era de História e de Literatura.
Vou pular a parte que conta que, depois de formados, eles contestam leis do reino de Hanover, enquanto trabalham na Universidade de lá, foram expulsos da cidade e se mudaram para Berlim, onde moraram até morrer. Isso tudo vem depois. Antes, a gente precisa falar de algo fundamental para se entender qualquer evento: o contexto no qual os fatos tiveram lugar!!
E voltamos à questão geopolítica.
Estamos no 1° Reich Germânico, aquele que durou mil anos e que era um amontoado de unidades políticas independentes: reinos, principados, condados, ducados, com suas leis locais, moedas particulares, dialetos diferentes, tudo reunido sob o nome de Império Germânico. (Abro um parêntese para comentar a origem da palavra GERMÂNICO. Parece que vem do celta, da palavra “gairmeanna”, que significa “barulho” ou “grito”. Vamos lembrar que no final do Império Romano, os germânicos eram os bárbaros do norte, vizinhos dos gauleses, a oeste. Esses gauleses, que viviam naquela aldeia que Júlio César nunca conseguiu conquistar por causa da poção mágica do druida, e que temiam apenas que o céu caísse sobre suas cabeças, eram celtas e deviam reclamar muito do barulho que os godos faziam depois da cervejada. Fecho o parêntese).
Acontece que, na primeira década do século XIX, os franceses, aqueles descendentes do Asterix e Obelix, avançaram pelos territórios germânicos e se instalaram em suas terras. Essa invasão despertou um forte sentimento nacionalista nos corações e mentes do povo germânico.
Um poeta romântico germânico chamado Clemens Brentano, movido por essa busca das raízes culturais populares e do sentimento de que tinha que preservar a memória coletiva, o espírito do povo alemão, a germanidade, reuniu, reescreveu, embelezou e depois publicou uma coletânea de canções folclóricas. (Abro um parêntese para mencionar que o Romantismo defendia a ideia da identidade nacional, baseado no idioma e no folclore, entre outras características. Fecho o parêntese). Brentano, que conhecia os Grimm, pediu uma ajuda aos dois irmãos para pesquisar as histórias e contos populares. (Outro parêntese, esse para comentar que um dos pilares da constituição de um povo é sua cultura. Um projeto de destruição de uma nação vai sempre se ocupar da desmontagem de sua cultura. Fecho o parêntese).
E assim, Jacob e Wilhelm foram à luta, coletar as histórias, contos, lendas e causos que o povo contava. Além de se ocupar das narrativas para traçar o perfil deste povo, eles se ocuparam também, e em particular, das palavras, mas sobre esse segundo aspecto da missão grimmliana (!!) falo no final do capítulo.
Vou começar pelos contos e explicar que eles, os Grimm, não criaram nada!!! Eles inicialmente coletaram as histórias, os contos, as anedotas e as lendas populares que circulavam no território germânico.
Como?? Não, não saíram pelos bosques e vilarejos do Império ouvindo os lenhadores, os caçadores, as princesas e os sapos. Eles apenas atravessaram a rua e foram tomar um café na casa da dona Dorothea (Viehmann), cujo pai tinha tido uma pousadinha no interior e onde ela tinha ouvido, a vida inteira, milhares de histórias contadas pelos hóspedes. Ela sozinha lembrava de umas 200, mas tiveram outros colaboradores também. Os dois iam ouvindo e anotando os causos, alguns nem eram de origem local, tinham viajado de boca em boca desde a França ou outro país, mas foram sendo registrados em sua versão alemã.
O fato é que os Grimm não pretendiam publicar nenhuma coleção de livros infantis. Nada disso! Eles estavam interessados em levantar as tradições populares e as raízes da língua e da cultura alemãs, para ajudar a desenvolver uma identidade nacional.
As histórias que eles iam colecionando estavam cheias de personagens de fábulas que giravam em mundos encantados, com magia e fantasia, mas tinha também rudeza, estupidez, brutalidade, violência, abusos de vários gêneros e cenas sangrentas, além de conteúdos sexuais e eróticos, difíceis de serem absorvidos pela sociedade burguesa da época.
Fico imaginando os dois sentados na cozinha de sua casa, fumaça no ar, farelos de pão preto amanhecido sobre a mesa, cerveja quente no copo, chuva lá fora e eles discutindo o que fazer com tantas anotações.
A gente pode contar que Margaretha von Waldeck, condessa e filha de Filipe IV, branca como a neve, foi mandada para Bruxelas, exilada pela madrasta, quando tinha 16 anos, e que lá se apaixonou por um cara, que se tornaria Rei da Espanha, mas o pai e a madrasta acharam que essa ligação poderia ser muito perigosa do ponto de vista político para eles, e pouco tempo depois a garota amanheceu morta envenenada – diz Jacob.
Pois é – retrucou Wilhelm – mas a gente tem que dar uma amenizada no relato dos 7 filhos do Filipe IV, que trabalhavam como escravos nas minas de cobre e que, pelo trato desumano, foram crescendo deformados e baixinhos. A gente não precisa entrar nos detalhes das torturas aplicadas, né? E como a gente apresenta a maçã envenenada?
Bom, isso não dá para a gente mentir, tem que explicar que era o vendedor de frutas que envenenava e matava as crianças que ficavam roubando sua barraca no mercado.
Aí deve ter aparecido o editor deles, que já tinha em mente um nome para o primeiro livro, “Histórias das Crianças e do Lar”, e teria dito: “Por que a gente não cria uma bruxa malvada para fazer a parte suja da história??”
Dessa forma, os textos publicados sofreram um processo de “limpeza” para tirar as partes mais pesadas e, a contragosto dos irmãos, foram ficando, a cada versão, mais levinhos, mais palatáveis, e quando caíram nas mãos dos americanos, bem, aí viraram os clássicos da Disney.
Agora pulo para a outra grande obra deles, que foi sua contribuição para a língua, o Deutsch.
Como dois arqueólogos, eles estudaram a origem das palavras, como derivaram do latim, misturadas com as línguas bárbaras, e evoluíram formando um novo idioma.
Quer um exemplo?
Quando uma palavra em latim começa com o som da letra “p”, como “peixe”, “pé” e “pai”, na língua germânica ela começa com o som do “f”, como Fisch, Fuß e Vater (em alemão, o “v” tem som de “f”).
Jacob Grimm foi o Darwin dos linguistas: descobriu as primeiras leis que ditaram a evolução das palavras para o alemão, ou seja, encontrou a fórmula básica da transformação fonética que, ao longo de milhares de anos, foi transformando o proto-indo-europeu em alemão.
Os dois gostavam muito de palavras, literalmente, e foram colecionando verbetes. Até que um dia foram convidados por uma editora para produzir um dicionário de alemão (Deutsch) super-mega-blaster completo, incluindo termos desde a Bíblia de Lutero até as obras de Goethe. Demorou um pouco para os meninos aceitarem a oferta e acabou que não deu tempo de terminarem a compilação, Wilhelm morreu quando estava na letra D, e Jacob foi um pouco mais adiante, chegou na letra F e morreu!
A unificação alemã aconteceu em 1871, com a fundação do país do Deutsch (Deutschland), doze anos depois da morte de Jacob, e o tal dicionário (Wörterbuch) não estava ainda finalizado, o que só aconteceu 90 anos depois, em 1961, quando a Alemanha já estava dividida de novo!!!
Mas pelo menos todo mundo já falava a mesma língua e lia as mesmas histórias para os pequenos godos dormirem.
Esperando que ninguém tenha adormecido no meio desta leitura, termino este texto antes de chegar na letra Z, e vejo vocês no próximo!!
Abraços!
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum