OPINIÃO

Fogo na Democracia - Por Normando Rodrigues

O calvo “Xandão”, que tem sido incensado por democratas e esquerdistas devido à sua atuação na defesa das instituições, é na verdade mais um dos muitos “democratas de ocasião” surgidos do quadriênio fascista 18-22

Jair Bolsonaro e Alexandre de Moraes.Créditos: Antonio Augusto/Secom/TSE
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Uma famosa colunista política do Estadão sustenta que Flávio Dino está para as queimadas assim como Alexandre de Moraes está para o 8 de janeiro. Vamos às contas dessa regra de três.

O calvo “Xandão”, que tem sido incensado por democratas e esquerdistas devido à sua atuação na defesa das instituições, é na verdade mais um dos muitos “democratas de ocasião” surgidos do quadriênio fascista 18-22. E essa conclusão sequer depende dos meandros de sua nomeação para o Supremo pelas mão de Temer, o usurpador; ou da condução heterodoxa (sejamos educados) de inquéritos infinitos.

Em 2017, o Adolf Hitler tabajara disse que negros quilombolas podiam ser pesados em arrobas e não serviam sequer para reprodução. Denunciado pela Procuradoria da República, um ano depois, em plena eleição, Xandão normalizou a fala racista e desempatou a votação na 1ª turma do STF a favor de Bolsonaro, isentando o animal mitológico.

Já em outubro de 18, entre o 1° e o 2° turnos das eleições, Alexandre de Moraes declarou que Bolsonaro, caso presidente, trataria de “unir o país para um futuro melhor” e que não representava “nenhum risco para a democracia”.

Ainda em agosto de 19, pouco após criminosos bolsonaristas promoverem o “Dia do Fogo” no Pará, o clima entre o presidente fascista e Xandão ainda era de fogoso amor, expresso em afetuosos abraços e cúmplices sorrisinhos públicos.

O ogronegócio envenenava o país, o ministro do meio ambiente contrabandeava madeira de lei e ilegal, e o desmatamento atingia níveis de não retorno. Mas tudo bem para Alexandre de Moraes. Sobretudo porque os pobres estavam em seu devido lugar, a fila do osso.

A relação entre o Mussolini-de-feira-livre e o careca de capa preta só mudou por conta do atual candidato fascista à prefeitura do Rio, Alexandre Ramagem. 

Ramagem se tornou guarda-costas mor de Bolsonaro e amigo pessoal da família, após o atentado de Juiz de Fora. Em troca, ganhou diversos cargos. No episódio de cizânia, Ramagem substituiria o diretor geral da Polícia Federal, para proteger os filhinhos de Bolsonaro de investigações.

“Substituiria”, uma vez que a nomeação de Ramagem foi bloqueada em decisão judicial de Alexandre de Moraes, já que feria a impessoalidade e transgredia critérios de antiguidade na estrutura da PF. 

Somente aí, Xandão e Bolsonaro desfizeram o namoro. Ferido em seu ego infantil e acostumado a vencer com bravatas, o Mito-ladrão-de-paraquedas mandou seguidores para a porta da residência familiar de Alexandre de Moraes, em São Paulo, em maio de 2020, levando caixão e ameaças.

Apenas então, Alexandre de Moraes se torna um “defensor da democracia”. Quando ele mesmo virou alvo do fascismo. E, talvez não por acaso, a ruptura entre o neojuiz e o neofascista se deu no preciso instante em que a avaliação “ruim/péssimo” do governante ultrapassou pela 1ª vez a barreira dos 40% em todas as pesquisas.

Deixemos Moraes para examinar a outra perna da equivalência na regra de três entre Moraes e Dino, de um lado, e a tentativa de golpe e as queimadas, de outro. 

Sintomaticamente, na mesma edição do jornal em que a colunista comparou os dois ministros do STF, o editorial do Estadão afirmou que o Brasil baterá seu recorde na safra de grãos, desde que “o clima coopere”. Porque, afinal, o Ogronegócio é “credor” e não destruidor da natureza.

Isso ficou ainda mais claro no dia seguinte, data em que o mesmo sisudo Estadão se posicionou sobre a regra de três proposta. A voz da autoproclamada “elite quatrocentona” foi clara: louvor à destruição ambiental e ataque aos “excessos” de Dino, por se imiscuir na proteção à natureza. Tudo em nome do Ogronegócio

O compromisso da grande mídia com o escravismo; a desigualdade social; os juros altos e o lucro dos banqueiros; e com a soja e o boi no que antes era floresta, é manifestação cristalina de consciência de classe. Apenas para não irmos muito longe, voltemos à temporada de incêndios de setembro de 21.

Naquele mês, o inconfiável Macron criticou a destruição da floresta tropical sob Bolsonaro e o Estadão saiu célere em defesa de seu fascista de “fácil escolha” aos brados de que “não há soja na Amazônia”, mentira que não resistiria a 3 minutos de consulta no Google, reveladora do cultivo extensivo do grão em MT, TO, MA, PA, RO, AM e RR. 

Apesar de tudo e por menos que gostemos da comparação proposta entre Xandão e Dino, há um desagradável denominador comum que valida a regra de três. Chama-se “impunidade”.

Assim como as “meras manifestações” (segundo os parlamentares fascistas que as querem anistiar) do 8/jan são tipificáveis em preceitos penais protetores do estado democrático de direito e do patrimônio público, os incêndios florestais desse findo inverno de 24 foram intencionais, concertados e são criminosos, ainda que verificados dentro dos latifúndios dos próprios incendiários. 

Muito ao contrário das infelizes falas sobre a “inexistência de legislação adequada”, lamentavelmente vindas até da boca do presidente Lula, não faltam instrumentos jurídicos à União para combater o Ogronegócio destruidor.

A lei 8.629/93 possibilita a desapropriação dos latifúndios calcinados e seus artigos 6° e 9° excluem da categorização de “produtiva” as terras irracionalmente incendiadas.

O que realmente falta é vontade política de enfrentar o Ogronegócio, hipertrofiado em sua representação na Câmara dos Deputados e turbinado politicamente como não se via desde a revolução burguesa de 1930.

Para completar a impunidade legitimidora da regra de três, às centenas de descerebrados presos por conta do 8/jan, corresponde a irrisória (ante milhares de incêndios) dúzia de atoleimados foguistas presos. Todos braguinhos.

Os verdadeiros responsáveis pelos atentados à democracia e ao planeta vivo seguem soltos e felizes. E no domingo disputarão as prefeituras do Rio e de São Paulo com os Ramagens, com os Amorins, com os Nunes... e até com certo Pablo Lamaçal.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.